segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

UM DIA DESSES, AINDA VOU MORRER DE DOR


Carlos Correia Santos

Um dia desses, ainda vou morrer de dor.

Não essa que me almoça jantares e dejejuns. Essa chamada úlcera. Sim, porque aos 35 anos, sou o petisco de uma úlcera duodenal. Estou em seu cardápio desde os meus 28 anos.

O doer é bem outro...

Um dia desses, ainda vou morrer de dor no pescoço. Porque sou negro e vivo num país que me impõe andar de queixo erguido dia e noite – quiçá, até dormir de queixo erguido. Há que ser assim. Do contrário, sou devorado por essa úlcera desgraçada chamada racismo.

E, cacete, condenado a esse torcicolo eterno, ainda há os pseudo-ortopedistas da vida alheia – tortos até a alma – que me diagnosticam arrogante. Imbecis... Procurem vós um oftalmologista e enxerguem-se

Um dia desses, ainda vou morrer de dor. No diafragma. Toda vez que a respiração faz espiral porque a senhora ao lado da qual passei agarrou-se firmemente à alça de sua bolsa preciosa. Quem tomou o susto fui eu, dona fulana.

Um dia desses, vou morrer de dor. Nos dentes. Que trinco com agonia genuína quando me perguntam, nos supermercados e lojas em que passo para fazer minhas compras: “és empregado daqui, filhinho?”. Não, filhinhos. Não sou. O problema não está no fato de ser empregado de um supermercado ou de uma loja. Claro que não. Está no fato de ser a escolha da pergunta. Dezenas em redor e o alvo único? Moi. Mesmo que não esteja eu usando uniforme algum. Ah, sim. Há, sim, um uniforme: a minha epiderme que, historicamente, não desperta no demente entendimento geral a possibilidade de eu ser qualquer outro profissional. Não dorme na minha derme a evidência de que sou Bacharel em Direito e Gestor e Produtor de Eventos Culturais, formado em faculdades particulares. E não: eu não precisei de cota alguma para alcançar tais graduações. Nem para me trazer a gradação de poeta, contista, dramaturgo premiado. Que sou.

Um dia desses, ainda vou morrer de dor. Na mão. Que fecho até quase esmagar. Não, Carlos. A promoção não vai ser tua. Fica de costas, mano. Porque não tens o perfil...

Um dia desses, ainda vou morrer de dor. Porque cansa. Extenua precisar matar todo dia. Leões. Imensos. Vírus de pré-concepções. Milhares. Nada nos mata mais e mais, lentamente, que precisar ser um assassino das próprias dores para precisar sobreviver.

Um dia desses, ainda vou morrer de dor. Porque é assim que renasço. Lindo. Negro. Alma.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

JOANA FAZ CONFISSÕES PARA ENEIDA




Reproduzo, abaixo, o post feito por Joana Vieira em seu blog


Minha querida, receba o imenso obrigado de toda a equipe de EU ME CONFESSO ENEIDA.

O texto:

E hoje, eu visitei o teatro Waldemar Henrique, na Praça da República, para assistir à peça cuja dramaturgia é da conta do amigo Carlos Correia Santos. Estranho ir à Praça na sexta-feira, à noite, quando o apego é pelo domingo, quando acontece a feirinha do artesanato. O teatro fica no centro da Praça e lá dentro batia um coração mais paraense do que o meu: o de ENEIDA DE MORAES! E para interpretá-la outros três corações que dividiam o palco e o coração da gente: um aos gritos me mostra uma mulher ousada, sombria e cheia de ideologias; outro, uma poetisa carnavalesca, colorida e alegre.e o último me dizia do seu lado que eu mais gosto, a escrita, as ideias, as palavras. Era ENEIDA, a mais nobre moradora do Rio de Janeiro de coração paraense e linguajar igual ao nosso. Ela estava ali, forte, firme e tensa.

Suas facetas mexeram comigo e com o público calado e quieto aconchegado nos bancos e lembranças de uma Belém só nossa. Na pele das três atrizes, nosso coração sentiu saudade de um tempo descrito pela escritora e que hoje já não existe mais. Tudo lindo e saudosista, das frases decoradas e interpretadas pelas mulheres no palco à voz da própria poetisa que surgia nos invadindo e causando lágrimas.

Os diretores pegaram pesado, dos sons de passarinhos ao batuque de tambores que nos transportavam para uma Belém antiga, meio floresta, meio mística, meio ENEIDA!

O dramaturgo pegou pesado, da luz ao trio se engalfinhando numa luta entre personalidades internas que dividiam uma mulher e geravam os seus conflitos introspectivos. MUITO BOM! MUITO LINDO! Enriquecedor, informativo e reflexivo. ADOREI, AMORES! PARABÉNS!

“Eu morro, mas morro com raiva”

No papel da protagonista: Marta Ferreira, Elisângela Vasconcelos e Rosa Marina, que encarnam, respectivamente, o lado político, intelectual e carnavalesco de Eneida.

Os diretores Edson Chagas e Leandro Haick.

“EU ME CONFESSO ENEIDA” foi vencedora do edital Cláudio Barradas de Fomento ao Teatro, promovido pelo Governo do Estado do Pará via Secretaria de Cultura.

Manteremos as rugas: elas contam nosso destino.

UM POUCO MAIS SOBRE ENEIDA...
Eneida de Moraes nasceu em Belém do Pará no dia 23 de outubro de 1904. Jornalista, escritora, foi uma das mais profundas conhecedoras do carnaval brasileiro. Formada em odontologia, logo trocou seu consultório para se tornar colaboradora em jornais e revistas, o que possibilitou sua estreia como autora. Entrou na militância política e foi presa em 1935 por defender principalmente a inclusão social. A autora faleceu em abril de 1971, na cidade do Rio de Janeiro.

Na peça, segundo Carlos Correia, o episódio mais marcante aconteceu na década de 30, quando filiou-se ao Partido Comunista e se posicionou abertamente contra a ditadura de Getúlio Vargas. Por esta razão, foi presa várias vezes e brutalmente torturada no cárcere.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

AS FACES DE ENEIDA CHEGAM AO PALCO


Vencedor do Edital Cláudio Barradas, “Eu Me Confesso Eneida” tem dramaturgia de Carlos Correia e direção de Edson Chagas e Leandro Haick.

Ela foi poeta, ativista política, pesquisadora do carnaval brasileiro e definiu o que hoje se convenciona chamar de crônica memorialística. Eneida de Moraes. Um dos nomes paraenses mais festejados em nível nacional. As múltiplas inquietações que transformaram essa mulher única em muitas chegam à ribalta no espetáculo “Eu Me Confesso Eneida”, que ficará em cartaz de 24 a 27 deste mês, no Teatro Waldemar Henrique, sempre às 20h. Vencedora do edital Cláudio Barradas de Fomento ao Teatro, promovido pelo Governo do Estado do Pará, através da Secult, a montagem tem dramaturgia assinada por Carlos Correia Santos e direção de Edson Chagas e Leandro Haick. Em cena, as atrizes Marta Ferreira, Elisângela Vasconcelos e Rosa Marina vivem, simultaneamente, as várias faces e facetas de Eneida. Um embate angustiante e provocativo que vai revelando para a platéia detalhes da densa biografia da famosa nortista.

A peça é uma realização do grupo EcoArte e conta com apoio do Gepem e Teatro Waldemar Henrique. O figurino, cenografia, iluminação e maquiagem foram concebidos por Chagas Franco. A pesquisa de sonoplastia foi desenvolvida por Nelson Borges, Edson Chagas e Leandro Haick. A operação de sonoplastia é de Marcos Blanco. A operação de luz de Venildo Cohen. E as fotos de divulgação têm o selo de Naldo Silva e Pedro Ferreira.

BIOGRAFIA

Contista, cronista, memorialista, Eneida Vilas Boas Costa de Moraes nasceu num palacete situado à rua Benjamim Constant e ali se criou. Filha de Guilherme Costa e Júlia Vilas Boas Costa. Família de posses. O pai era comandante de navio e, assim, desbravava os rios do Estado. Rios que, de um jeito ou de outro, acabariam tomando conta das veias de Eneida, correndo por elas mais do que seu próprio sangue. O amor de Eneida pelo Pará foi tanto que mais verdes do que essas terras só mesmo os olhos da autora, eternos apaixonados por Belém. E justamente este verde estaria no título do primeiro livro. Em 1930, ela publica “Terra Verde”, um livro de poemas com temática amazônica.

Ainda muito jovem, foi morar no Rio de Janeiro, na época, a capital federal. Filiou-se ao Partido Comunista e se posicionou abertamente contra a ditadura Vargas. Por esta razão, foi presa várias vezes. No cárcere, dividiu cela com Graciliano Ramos e Olga Benário. Apaixonada pela cultura do povo, dedicou-se a um profundo estudo sobre o folclore brasileiro. Foliona de grande marca, criou na capital carioca o célebre Baile do Pierrô. Eneida despediu-se das árvores de suas verdes terras num mês de abril. Morreu em 27 de abril de 1971. Atendendo a um pedido seu, como boa comunista, foi sepultada no lado esquerdo do Cemitério de Santa Isabel.

Serviço: “Eu Me Confesso Eneida”, de Carlos Correia Santos. Direção Edson Chagas e Leandro Haick. Realização EcoArte. Patrocínio Secult. De 24 a 27 de fevereiro. Teatro Waldemar Henrique, 20h. Ingressos: R$10,0.