sábado, 30 de agosto de 2008

A FALA NUA NAS BOCAS DE ADALGISA, MURILO E ISMAEL




ADALGISA (vestindo as calças, o paletó e pondo o chapéu do figurino de ISMAEL, falando num tom firme): O ser humano é uma criação de sua própria mente e da mente do outro. É, na soma final dos sentimentos, um ente organicamente formado pelas emoções encerradas em si mesmo e pelas emoções que provêm do coletivo. Um ser humano, portanto, é igual ao pedaço do seu eu somado a um terço do vizinho, à metade de qualquer conterrâneo e ao inteiro de quem desconhece!...

MURILO (colocando o vestido e os sapatos de ADALGISA, falando num tom forte): Desta forma, somos todos nós um pouco da forma de tudo e de todos. A minha vontade é, já foi ou será a vontade do meu amor. O meu desejo é irmão gêmeo do desejo de quem odeio. Parte do meu riso é igual ao choro de quem está ao meu lado. E eu choro todas as gargalhadas de quem passa longe de mim...

ISMAEL (colocando em si as calças, o paletó e os óculos de MURILO, falando num tom vigoroso): E não adianta querer encontrar em nosso peito algo que não more no peito de mais ninguém. A humanidade é, toda ela, interligada pelas mesmas artérias: a cobiça, o afeto, a violência, a ternura, a resignação, a vaidade!... Irriga nosso espírito um só sangue universal, o plasma da diversidade única!... Dormimos todos num mesmo leito... Sonhamos, acima de tudo, em nos transformar... no outro!...


(Trecho do texto teatral NU NERY, de Carlos Correia Santos. Obra vencedora do Prêmio IAP de Literatura, do Prêmio Funarte Petrobras de Fomento ao Teatro, da Caravana Funarte Petrobras de Circulação Nacional, do Edital Caixa Cultural. Espetáculo montado pelo Grupo de Teatro Palha, com direção e encenação de Paulo Santana. Escolhido para o I Festival Brasileiro de Teatro de Itajaí, Santa Catarina)

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