sábado, 8 de novembro de 2008

QUANDO UM CISNE NOS SOLTA DE NÓS


JORNAL O LIBERAL
CADERNO MAGAZINE
Edição de 08/11/2008

OPINIÃO
Na sua terceira
semana em cartaz,
peça do Cuíra
mexe com tabus

CARLOS CORREIA SANTOS
Da Editoria

O que leva alguém a abrir seus armários, tirar dali todos os trajes que lhe escondem os segredos, vestir-se com os silêncios impostos pelas hipocrisias sociais e rumar para o teatro? Que teatro? O Teatro Cuíra, que transforma a arte em seu ponto numa das esquinas da Riachuelo, no centro de Belém. O que faz com que alguém se sente na platéia do espetáculo ali apresentado e comece a sentir-se nu cena a cena? Talvez as asas quebradas por baixo do que ainda não se conseguiu tirar dos armários? Talvez a sensação de estar longe dos ninhos da tolerância?

Todas essas dúvidas parecem se acomodar ao lado do público que vem conferindo o espetáculo “Quando a Sorte te Solta Um Cisne na Noite”, que tem sessões hoje, às 21h, e amanhã, às 20h. Premiado no concorrido edital nacional Myriam Muniz, da Funarte, com dramaturgia de Edyr Augusto e direção de Wlad Lima e Karine Jansen, o espetáculo chega a sua terceira semana em cartaz mantendo uma provocativa rotina: abrir as gaiolas das polêmicas do universo homossexual masculino e libertar, noite afora, as mais diversas opiniões.

Na primeira abordagem da reportagem, Miguel Lopes hesitou. O entrevistado em potencial tinha ido ver o “Cisne”, mas achou que talvez não fosse prudente se manifestar publicamente. É recém divorciado. Faz questão de frisar sua heterossexualidade. Mas a pergunta era tão simples. Limitava-se a: quais reflexões o espetáculo te trouxe? Após a resistência, a resposta também simples: “A peça me fez rir e me fez pensar. Fiquei conhecendo situações do universo gay que eu realmente ignorava”.

“O primeiro fator que tem movido os espectadores a virem para o Cuíra ver a peça é mesmo a curiosidade”, explica Karine Jansen. Mas a diretora percebe muitos aspectos entre as plumas do que voa para além do palco: “Precisamos admitir que temos uma cultura gay muito forte aqui em Belém. Isso é cada vez mais evidente. Ao lado desses elementos, há também o fato de que, no final das contas, a peça gera identificações. Mesmo o público hetero se identifica. Vivemos numa época em que cada vez mais os corpos são construídos não só pela natureza, e sim pelo desejo que eles podem gerar. As inúmeras turmas de musculação que existem por ai comprovam o que digo. A verdade é que somos de um tempo em que a identidade sexual anda muito misturada”.

INTERPRETAÇÕES NUAS

O que também se mistura à emoção da platéia é o tom quase confessional da montagem. A peça propõe uma sucessão de atuações-depoimentos que vão arrancando mais e mais os trapos que cobrem muitos pudores. Intérprete de um dos monólogos mais tocantes do espetáculo, o ator e visagista Nelson Borges tem lágrimas misturadas a sua maquiagem no término da apresentação, enquanto conta: “Minha fala é a de um transexual que sonha em mudar de sexo. Construir esta cena foi realmente muito difícil para mim. Quando eu soube que teria que me expor, ficar nu, relutei um pouco. No final, vi que era verdade algo que Wlad e Karine me falaram ao longo dos ensaios. A platéia fica muito mais nua que eu”. Borges percebeu a relevância disso de forma especial: “Tenho um irmão extremamente machista que veio me assistir. No final, ele me abraçou inicialmente de maneira tímida. Depois me abraçou mais forte e chorou muito”. Karine complementa: “Esta cena que se passou com o Borges cerca todo o espetáculo. A peça tem ajudado nas negociações familiares sobre a questão. Vemos, nas cadeiras, filhos com suas mães, com seus pais. Famílias inteiras. Isso é muito bom”.

DESAFIOS ÍNTIMOS

É muito bom igualmente para o enriquecimento do fazer teatral, conforme explica o ator André Mardock: “Precisei buscar entender melhor o universo gay. Foi um desafio particular mesmo. Fiquei temeroso. Foi difícil. Mas como teatro cura, o processo fluiu. Tratar desse assunto pode machucar, porém pode mudar conceitos”. Para Paulo Marat, a superação também foi uma colega de cena: “Essa era uma esfera que eu realmente não conhecia. Sentimentos que eu não dominava. Justamente por isso tem sido um exercício maravilhoso”. Com apenas 19 anos, o jovem ator Ícaro Gaya é mais um que sobrevoa o contentamento: “É bom saber que muita gente sai do teatro impressionada com a sinceridade dos textos. A idéia é essa”.

Para Karine Jansen, é fundamental afastar do lago do isolamento tudo o que a ave do preconceito representa: “A sociedade hoje organiza um sistema de exclusão dos assuntos ligados à sexualidade. Isso precisa mudar para que possamos discutir temas como o travestismo infantil, por exemplo. O Pará é um imenso exportador de meninos travestis, conforme matérias do próprio Liberal estão mostrando. Temos que trazer tudo isso para a cena”. Encerrada a apresentação deste novo projeto do Cuíra, vem uma certa necessidade de recompor o figurino que cerca a alma. Vem também a pergunta: aplaudir ou não aplaudir? Bem, se o Cisne te soltar na noite e fizer tua garganta ficar presa, então aplauda. Porque aplaudir é chamar os deuses para ver.

2 comentários:

J.BOSCO disse...

cumpadi, gostei do blog.
parabéns, vou sempre aportar por aqui!
abraços

Codinome Pensador disse...

Quando um cisne se solta de nós é ótimo!!!!

Risossssssssssss

A peça é realmente verdadeira no mais extenso sentido da palavra. Wlad Lima e o elenco do grupo Cuíra estão de parabéns!!!

E você poeta também pelo que escreveu no blog, como sempre você brilhante hein?

Risosssssssssssss

Abraço!!!