ENEIDA: A única coisa que posso, quero e vou confessar é que não nasci com amarras nos pés nem na alma... Sempre tive despejada dentro de mim a imensidão do mundo... Eu não cabia num só lugar e por isso jamais admitirei ser condenada...
As posturas das outras duas mudam. Elas se tornam pesarosas.
LEMBRANÇA: Não te dói pensar no que deixaste para trás?
ENEIDA 03 (lutando para controlar a emoção): A vida toda eu só tive dentro de mim a dor imensa de querer o que estava a minha frente...
MEMÓRIA: E a tua frente, em momento algum, projetava-se a imagem do que havias abandonado...
ENEIDA 03: Eu nasci abandonada à condição de romper prisões...
LEMBRANÇA: E, ainda assim, a vida só te destinou grades...
MEMÓRIA: Grades e mais grades...
ENEIDA 03 (tapando os ouvidos e baixando a cabeça): Não... Fere-me lembrar...
Numa nova mudança de postura, as outras duas tiram de seus bolsos algemas e partem de novo para cima de ENEIDA. Elas tentam pegar os punhos da personagem principal, mas ele resiste se esquiva
MEMÓRIA (impiedosa): Foi o que viveste... Tens que descer a esse porão...
ENEIDA (lutando para escapar): A dor ainda é muita... Não quero...
LEMBRANÇA: Querer? O querer não é liberdade que te pertença mais. Tua cadeia é o ter... Ter que reviver...
ENEIDA (debatendo-se): Não quero... Não quero...
MEMÓRIA: Mas tens...
As duas torturadoras põem as algemas nos punhos de ENEIDA 03 e nos seus próprios. As três, então, ficam atadas uma a outra. A atriz que faz ENEIDA 03 fica no centro. As luzes baixam e se inicia um novo jogo. Numa dinâmica angustiante, as atrizes que estão nas extremidades começam a puxar ENEIDA ora para um lado, ora para o outro. Letárgica, ela se deixa ir para lá e para cá. Parece alguém que apanhou e está enfraquecida. Inicia-se, portanto, uma sequência inspirada na crônica COMPANHEIRAS:
LEMBRANÇA: Éramos vinte e cinco mulheres presas políticas numa sala da Casa de Detenção, Pavilhão dos Primários...
MEMÓRIA: 1935, 1936, 1937, 1938...
LEMBRANÇA: Quem já esqueceu o sombrio fascismo do Estado Novo com seus crimes, perseguições, assassinatos, desaparecimentos, torturas?
MEMÓRIA: Vinte e cinco mulheres, vinte e cinco camas, vinte e cinco milhões de problemas...
As posturas das outras duas mudam. Elas se tornam pesarosas.
LEMBRANÇA: Não te dói pensar no que deixaste para trás?
ENEIDA 03 (lutando para controlar a emoção): A vida toda eu só tive dentro de mim a dor imensa de querer o que estava a minha frente...
MEMÓRIA: E a tua frente, em momento algum, projetava-se a imagem do que havias abandonado...
ENEIDA 03: Eu nasci abandonada à condição de romper prisões...
LEMBRANÇA: E, ainda assim, a vida só te destinou grades...
MEMÓRIA: Grades e mais grades...
ENEIDA 03 (tapando os ouvidos e baixando a cabeça): Não... Fere-me lembrar...
Numa nova mudança de postura, as outras duas tiram de seus bolsos algemas e partem de novo para cima de ENEIDA. Elas tentam pegar os punhos da personagem principal, mas ele resiste se esquiva
MEMÓRIA (impiedosa): Foi o que viveste... Tens que descer a esse porão...
ENEIDA (lutando para escapar): A dor ainda é muita... Não quero...
LEMBRANÇA: Querer? O querer não é liberdade que te pertença mais. Tua cadeia é o ter... Ter que reviver...
ENEIDA (debatendo-se): Não quero... Não quero...
MEMÓRIA: Mas tens...
As duas torturadoras põem as algemas nos punhos de ENEIDA 03 e nos seus próprios. As três, então, ficam atadas uma a outra. A atriz que faz ENEIDA 03 fica no centro. As luzes baixam e se inicia um novo jogo. Numa dinâmica angustiante, as atrizes que estão nas extremidades começam a puxar ENEIDA ora para um lado, ora para o outro. Letárgica, ela se deixa ir para lá e para cá. Parece alguém que apanhou e está enfraquecida. Inicia-se, portanto, uma sequência inspirada na crônica COMPANHEIRAS:
LEMBRANÇA: Éramos vinte e cinco mulheres presas políticas numa sala da Casa de Detenção, Pavilhão dos Primários...
MEMÓRIA: 1935, 1936, 1937, 1938...
LEMBRANÇA: Quem já esqueceu o sombrio fascismo do Estado Novo com seus crimes, perseguições, assassinatos, desaparecimentos, torturas?
MEMÓRIA: Vinte e cinco mulheres, vinte e cinco camas, vinte e cinco milhões de problemas...
TRECHO DA DRAMATURGIA DE "EU ME CONFESSO ENEIDA", OBRA VENCEDORA DO PRÊMIO CLÁUDIO BARRADAS. EM BREVE NOS PALCOS.