quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A VISÃO DE ORLANDO SIMÕES PARA O PROFANO SER

Abaixo, novo texto sobre o espetáculo ÓPERA PROFANO. A opinião crítica agora é de Orlando Simões e foi baseada na apresentação de estreia da peça. O texto foi publicado no site Ponto Zero

Ópera Profano: Redenção...

É impossível existir um paraense que não viva os dois lados das celebrações do Círio de Nazaré, uma das maiores manifestações da fé católica no mundo todo. Claro que falo do lado sagrado e do lado profano da manifestação, não só de fé, mas de cultura também. No teatro não poderia ser diferente.

Vamos por partes. A primeira delas é desmistificar a palavra profano como sendo algo ruim, péssimo e pervertido. Profano é tão somente aquilo que está fora do templo religioso, em frente ao local de adoração, um assunto que não é religioso simplesmente é profano, não é ruim, amaldiçoado, só não é religioso como falar de moda, de sexo, de futebol, de festas, de dança, simplesmente profano. Claro, ao longo dos anos a palavra se impregnou de mais sentidos e todos pejorativos e carregados de carga negativa, entretanto profano é tudo aquilo que fazemos que não está dentro do sagrado, dependendo do que seja esse sagrado.

Talvez a melhor síntese para descrever o espetáculo teatral-musical Ópera Profano seja a síntese representada pela palavra metáfora. Metáfora entre vida e morte, luz e trevas, salvação e perdição, pecado e redenção, sagrado e profano. Eis aí a revelação que todos nós procuramos a vida toda e só nos chega nos momentos finais. A vida desperdiçada com os excessos da carne, com o corpo, com a matéria e com o excesso de profano... Veja: não só o profano pelo profano, mas o excesso de tudo que separa o corpo e a alma do sagrado, do santo, do divino, da luz, da salvação.

Em cena, a iluminação dramática cai como um fardo sobre o elenco que se rasteja abatido por ser composto de seres marginalizados, não criminosos, mas aqueles que vivem à margem da sociedade, do mundo, à margem de qualquer possibilidade de redenção, de perdão ou de auto-salvação. Luz e som são outros dois personagens em cena, sobem ao palco e dão seu show em cada pequeno ato que conta a história íntima e secreta das vidas desses personagens que já perderam tudo e todos e apenas uns nos outros se encontram e se identificam. No espetáculo não há a personificação do herói clássico e sua perfeição, só há personagens comuns, frágeis, imperfeitos, pecadores, marcados pelo peso da vida, pelas angustias e erros do passado e cada pequena história deste passado é uma resposta para o presente sórdido que se desenrola no cine Ópera, palco da trama e que abriga os personagens Tota, Baby, Mira, Lucas e Ângelo. Cada um derramando seus pequenos mundos e revelações sobre o público.

Em uma jogada de mestre, o próprio título da peça é uma grande metáfora entre a encenação musical da ópera e o cinema de filmes eróticos, Ópera, exatamente em frente à Basílica de Nazaré... Lembrem-se, profano, do lado de fora: Ópera Profano.

Luz e som são outros dois personagens em cena, sobem ao palco e dão seu show em cada pequeno ato que conta a história íntima e secreta das vidas desses personagens que já perderam tudo e todos e apenas uns nos outros se encontram e se identificam

Encontros e desencontros A solidariedade é uma das lições deixadas para nós...

O local onde o divino deveria se ausentar é onde se faz ainda mais presente a necessidade de salvação, onde há o pecado e a perdição, lá reside a necessidade de haver o encontro com o divino para expurgar pecados na superfície das almas ou nas suas mais escuras profundezas. É na presença inevitável da morte do travesti Baby que Tota furta a imagem da Virgem de Nazaré antes da transladação no sábado que antecede o Círio, deste ponto em diante tudo em cena é sagrado e profano, é pecado e redenção para cada pequena vida que se apoiava na luxúria, na raiva, na cobiça, na vaidade. Personagens à margem sim, mas que estão sempre ao alcance de nossa visão e tão humanos quanto qualquer um de nós. Demasiado humanos.

Redenção e salvação é um direito inegável para todos nós...Não há em Ópera Profano alivio para o peso dramático da morte que se aproxima do travesti Baby, sempre pontuada por visões do passado de cada criatura em cena, mas é na figura de Tota que reside alívio cômico, esperança, glamour e a vida resistente e persistente para roubar a imagem sagrada, levar até o local profano num gesto de amor e piedade pelo amigo, é na figura do deus ex machina das três personificações e seus questionamentos que entendemos o que levou tudo isso a ocorrer numa joga de mestre que desnuda de leve para o espectador a razão de se adentrar o Ópera Profano.

Brincar com as metáforas da luz e da música, jogar com o sagrado e o profano na festa do círio, é levar para onde está tudo perdido a oportunidade de salvação e deixar pairando sobre nós o fato de que a salvação é, sim, para todos nós, principalmente para aqueles à margem de todos os mundos.

No choque das histórias, das palavras, das ofensas e da violência contra o corpo e a alma o espetáculo se estende em suas melodias e sem percebermos toda essa violência dá lugar ao melancólico, ao triste, ao vazio e descobrimos que é no passado que habitam as respostas e as perguntas de cada infeliz criatura sob o teto do Ópera Profano. De história em história até chegarmos ao fim derradeiro de uma história que se repete diariamente nas vidas de milhões de devotos que são esquecidos pelo mundo carnal, mas eternamente lembrados pelo mundo do espírito e da alma. A lição que fica é a de que o perdão e a paz de espírito não são para uns poucos privilegiados, ambos são para todos.

Sobrevoa-se tanto o belo que se esquece que o horror também necessita de sobrevôos. Metáforas, ao contrário da salvação, não são para todos.

Fecham-se as cortinas.

Orlando Simões

É Designer de produtos e gráfico, desenhista e amante de Semiótica. Colunas de Design, Games, Quadrinhos, Literatura, Artes Cênicas, Cidade, Tecnologia e Cinema.


(http://www.pontozero.net.br/cenicas_operaprofano.php)

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