sábado, 15 de novembro de 2008

O DESENHISTA DO ETERNO ENCANTO



JORNAL O LIBERAL
CADERNO MAGAZINE
Edição de 15/11/2008

Aos 92 anos, o cenógrafo e
figurinista Nilson Penna é
lenda das artes brasileiras

CARLOS CORREIA SANTOS
Da Editoria

Entenda o primeiro parágrafo desta matéria como uma bilheteria. Leia estas primeiras palavras como se elas fossem tíquetes, ingressos que permitem acesso a um espetáculo humano. Um show de vida. Tome essa página de jornal como a sala desse grande espetáculo. Procure um bom assento entre uma letra e outra e acomode-se. Daqui a algumas frases se abrirão cortinas para um paraense que se tornou mestre do teatro brasileiro. Um nortista que fez do mundo seu norte e, assim, se vestiu com os figurinos do sonho e da realização. Você conhece Nilson Penna? Então, preste atenção. A campa soou. As lembranças estão entrando no palco. Vamos assistir.

“Aprendi a respeitar a arte como precioso canal de relacionamento humano”, é com esta fala que nosso protagonista inicia sua performance neste texto. Filho do fundador do Clube do Remo, ele nasceu no dia 12 de fevereiro de 1916, na fazenda Livramento, Ilha de Marajó. Hoje, com 92 anos, há décadas radicado no Rio, Nilson é simplesmente uma lenda. Trabalhou como ator, bailarino, cenógrafo, figurinista, pintor, decorador e crítico de dança do Jornal do Brasil. Está catalogado em importantes enciclopédias nacionais e internacionais, participou de duas Bienais de São Paulo e foi assessor cultural federal no Ministério da Cultura na época de Pascoal Carlos Magno. Foi amigo íntimo de Bidú Sayão e Carmem Miranda. Riu e dançou com Judy Garland. Criou figurinos para titãs como Paulo Autran, Tônia Carrero e Márilia Pêra.

O mestre esteve recentemente em Belém. Voltou à terra natal para receber justíssima homenagem na programação do Fida, realizado por Clara Pinto. O regresso tirou das coxias a emoção. Pôs novamente sob o canhão de luz o bem-querer por seu berço. “Fiquei muito tocado com a iniciativa de Clara. Esta homenagem me fez rever lugares da minha vida que me trazem lindas lembranças”, conta o artista. Entre os traços que mais recolorem a afetividade de Nilson, está, como não podia deixar de ser, um templo para a arte em Belém. “Iniciei minha carreira aos 10 anos de idade, no Theatro da Paz, fazendo o papel de Lyzette em Monsieur Le Corbot et Leonard de La Fontaine”.

INSPIRAÇÕES

Em sua marca no centro do palco desta entrevista exclusiva ao Magazine, sempre elegante, voz suave, o ator de muitas conquistas vai tracejando mais e mais recordações. Usa o lápis da saudade, o esfuminho da delicadeza. Redesenha sua história. “Tive como fonte inspiradora Isadora Duncan, que via nos livros da biblioteca de meus pais. Ficava apaixonado por sua força e vontade de liberdade. Esta palavra, aliás, muito tem a ver comigo, pois é a palavra chave do meu signo, aquário”.

Das ilustrações da imaginação às páginas da realidade bastaram os passos de quem sempre soube coreografar seus caminhos. Sobre a relação próxima que teve com Carmem Miranda, Nilson pinta um quadro fascinante; “Assisti a estréia dela moçinha, no Cassino da Urca, aonde ia quase todas as noites aplaudi-la. Tornei-me amigo dela e de sua irmã, Aurora Miranda. Cheguei a ir à sua casa no Rio, perto do Cassino, e no seu apartamento em Nova Iorque”. Aproveita e faz um desabafo: “Quando foi inaugurado, aqui no Rio, o Museu Carmem Miranda, fui convidado para fazer a exposição das suas coisas. Desenhei dezoito manequins para o evento e depois roubaram tudo. Uma lástima”.

UM ATO CHAMADO BIDU SAYÃO

No libreto desse espetáculo humano, há um ato que merece narrativa especial: a longa e intensa amizade do artista com Bidú Sayão. Foram 50 anos de cumplicidades. “Conheci Bidú em 1937, quando ela foi dar um concerto no Theatro da Paz. Para a apresentação, decorei o palco com flores e plantei nos fundos duas árvores de acácia, deixando o local como se fosse um jardim. Bidú, depois do ensaio, perguntou quem tinha feito aquela decoração tão bonita e mandou me chamar, pois queria me conhecer. Daí nos tornamos amigos íntimos”. Nilson guarda consigo relíquias relacionadas à diva: “Tenho muitas cartas dela. Freqüentei sua casa no Mayne e a recebia em jantares no meu apartamento. Foi ela quem me incentivou a sair de Belém para aperfeiçoar meu talento”.

Solto no mundo das memórias, vai desenhando folhas e mais folhas nas quais surgem outros nomes colossais: “Conheci Cecília Meireles, Di Cavalcanti, que me desenhou, Carlos Drummond de Andrade, Juscelino Kubitscheck, Edith Piaf, Igor Stravinsky, Jean Cocteau, Dercy Gonçalves, Cacilda Becker, Fernando Bujones, Rudolf Nureyev, Margot Fonteyn, entre tantos outros. Todos me deram mais inspiração e mais cultura”.

Da platéia em que o entrevistador acabou se transformando vem a pergunta: como foi, afinal, essa história de dançar com Judy Garland? “Foi numa recepção após uma gloriosa récita de Bidú Sayão no Hollywood Ball, em Los Angeles. Judy Garland estava lá e nos conhecemos por intermédio de Bidú. Por termos ficado na mesma mesa, dancei e ri muito com a estrela, que me lembro de ser simpática e espirituosa”.

Na verdade, puro espírito de inspiração é Nilson. Muitas cenas, muitos personagens, muitos cenários. Um ser-espetáculo certamente. Terminada sua apresentação nesta matéria – pequeno monólogo dentro de um enredo que mereceria óperas – o artista aguarda por aplausos. É hora, portanto, de nos levantarmos das poltronas do esquecimento para batermos palmas. Demoradas palmas. Afinal, são 92 anos de realizações. O protagonista agradece, comovido: “Continuo criando todos os dias. No desenho e na pintura. E afirmo que o teatro me torna um homem que faz parte de uma arte que contém todas as artes”.

Um comentário:

Claudia disse...

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