Carlos Correia Santos: vida dedicada a arte da palavra
O teatro e o cinema já conhecem muito bem os textos de Carlos Correia Santos pelas diversas obras que se tornaram sucesso, como 'Nu Nery', 'Júlio Irá Voar' e 'Uma Flor Para Linda Flora'. Recentemente lançado, o livro 'Velas na Tapera' é seu primeiro romance e já garantiu o Prêmio Dalcídio Jurandir 2008.
Poeta, contista, cronista, dramaturgo, roteirista e agora romancista, Carlos Correia é vencedor de prêmios importantes na autoria de 'O Baile dos Versos' (poemas), 'Poeticário' (poemas), 'Nu Nery' (teatro), 'Ópera Profano' (teatro) e 'Batista' (teatro).
'Velas na Tapera' é resultado de vários anos de empenho, pesquisa e dores, como o próprio autor descreve. 'Velas' é uma história sobre dramas humanos, sobre como o destino e a paisagem que nos cerca, muitas vezes, são indutores para os passos que damos', comenta o escritor. O prefácio é escrito por José Louzeiro, um dos mais importantes letristas do Brasil, autor de 40 livros e criador do gênero intitulado 'romance-reportagem'.
O cenário é Fordlândia, núcleo urbano erguido pela Companhia Ford na década de 20, em plena selva amazônica, para produção de látex destinado à fabricação de pneus que seriam utilizados pela poderosa empresa automobilística. No contexto está, Rita Flor, que ao perder sua filha de seis anos em incêndio na tapera, resolve construir uma capela no local por acreditar que a menina virou uma milagreira, mas para isso terá que se prostituir.
No Balaio Virtual dessa semana, Carlos Correia Santos conta sobre a criação de 'Velas na Tapera' e do Prêmio Dalcídio Jurandir. Confira!
Portal ORM - 'Velas na Tapera' venceu em 2008 o prêmio Dalcídio Jurandir. O que o prêmio representa diante de uma obra ainda por lançar?
Carlos Correia Santos - Em primeiro lugar, uma grande honra. O prêmio foi criado pela Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves para celebrar o centenário de nascimento daquele que é, definitivamente, um dos maiores nomes da literatura brasileira e a grande referência para o romance produzido na Amazônia. A categoria em que competi teve abrangência nacional e isso é outro dado que traz mais impacto ainda a conquista que obtive. Meu livro disputou preferência com ótimas obras vindas dos mais diversos cantos do país. Outro dado importante é o fato da vitória ter sido determinada por uma banca de examinadores da mais alta competência e respeitabilidade. Os concursos literários – os sérios, vale ressaltar – fazem, hoje, no Brasil e especialmente aqui na região Norte, o papel de crítica especializada. São o que chamamos de fortuna crítica. “Velas na Tapera” foi submetido à apreciação de professores Doutores em Literatura. Um aval formidável. É como um selo de qualidade ímpar. E, claro, há ainda um aspecto especialíssimo. É meu primeiro romance. Estrear num gênero literário dificílimo como a narrativa longa cercado de todas essas qualificações é, sem dúvida, um presente imenso para minha carreira.
Portal ORM - Ter como cenário a selva amazônica no século 20, especificamente no núcleo urbano construído pela empresa automobilística Ford é no mínimo interessante. O que mais podemos encontrar nesse romance?
Carlos Correia Santos - Dramas humanos. 'Velas...' é uma história sobre dramas humanos, sobre fados, sobre como o destino e a paisagem que nos cerca, muitas vezes, são indutores para os passos que damos. A trama gira em torno de personagens fatalizadas. Por suas próprias escolhas de vida e pelas escolhas que a vida faz. Tenho paixão imensa por mergulhar nos abismos humanos, nas dores mais íntimas. Como diria a poeta Adalgisa Nery, amo as angústias que se guarda em segredo. No livro, todas as personagens são como pedaços do fracasso do projeto Ford. São seres-fantasmas que se arrastam pelo ermo da mata. São vidas paradas, como folhas de árvores que o vento não balança mais. Simplesmente porque o vento parece ter se esquecido de soprar ali, naquela lonjura. Essa, aliás, é a realidade que vive o interiorano da Amazônia até hoje. São vidas como lágrimas de látex congeladas no meio do tronco das seringueiras. Estagnadas. Por outro lado, também me interessa tocar nessa ferida histórica que é Fordlândia. Esse foi um dos mais megalômanos e surreais projetos que já ocuparam as nossas matas. A selva foi rasgada, desvirginada para supostamente trazer o progresso. A vida daqueles ribeirinhos foi virada de ponta cabeça. Eles entraram em contato com tecnologias e sonhos que jamais pensavam existir. E depois foram simplesmente abandonados. A chaga cheia de sotaques e referências gringas ficou lá, exposta em meio ao verde. Dá arrepios visitar Fordlândia. Ver as casas com arquitetura norte-americana. Ainda há por lá hidrantes da época, abraçados às folhagens. Parece um cenário de filme. Uma cidade rigorosamente americana definhando em meio à mata. Já se pensou num projeto de transformar a localidade num museu a céu aberto, o que seria muito válido. Mas nada se fez. Um capítulo incrível da nossa História está ruindo dia a dia, às margens do Tapajós. Tomara que o livro traga alguma luz para esse legado.
Portal ORM - Como foi o processo de criação de 'Velas na Tapera'?
Carlos Correia Santos - Foi um processo árduo, extenso e, justamente por tudo isso, apaixonante. Primeiro estruturei o drama sobre o qual eu queria falar: a história de uma jovem mãe que perde tudo, perde a filha, cai na miséria material, moral e emocional e escapa de um estranho incêndio em sua tapera, uma experiência mística que ela acredita ser fruto de um milagre da filha. Essa mulher decide construir uma capela para sua pequena milagreira, mas não tem dinheiro, nem esteio algum. Assim, acaba se tornando prostituta para conseguir a verba com qual erguerá a capela. Eu queria falar sobre essa dicotomia. Fascinam-me os diálogos entre o profano e o religioso. Estabelecido esse enredo, determinados os personagens que giram em torno dele, eu tomei a decisão de ambientar o conflito no cenário de Fordlândia. Então, parti para outra coisa que amo: a pesquisa. Foram vários anos pesquisando Fordlândia. Eu tive que entender com rigor todo o processo histórico e econômico que cerca o episódio. Tive que programar visitas a localidade – algo, aliás, complicadíssimo de se fazer. Depois cruzei as duas frentes. Pus os personagens que construí na minha imaginação para viver nesse cenário que de fato existe. Aí, é preciso ter todo cuidado do mundo para não se cometer erros, para não se fugir da coerência histórica, para não se abrir mão da chamada verossimilhança. O leitor tem que mergulhar na leitura e acreditar que aquelas pessoas realmente transitaram por aquele cenário. “Velas na Tapera” tem mais de trinta personagens – entre principais e secundários. Conduzir todas essas criaturas é uma missão louca e cansativa. Mas o prêmio foi uma coroação e um aval para todo esse empenho que levou coisa de quatro anos para ser concluído.
Portal ORM - José Louzeiro, autor do prefácio do livro, comenta que sua obra 'prima pela criatividade e pela singularidade na maneira de expressar-se'. O que 'Vela na Tapera' traz dessa originalidade que o romancista se refere?
Carlos Correia Santos - Como operário da palavra, tenho esse compromisso de trabalhar a linguagem como quem esculpe um mármore finíssimo. Não basta contar uma história instigante, cercada por um contexto histórico especial. Para mim, é preciso fazer tudo isso com esmero na técnica da escrita. Então, busco arduamente as possibilidades poéticas do escrever. O primeiro gênero que exercitei foi o poema. Isso é um condão que me acompanha em todos os outros exercícios de escrita. O Louzeiro – o grande mestre Louzeiro – se refere a isso. E o simples fato dele perceber e exaltar essa minha dedicação é um prêmio dentro do prêmio. O leitor, portanto, vai encontrar uma história cuja escrita tenta vivamente fugir do lugar comum. Uso várias técnicas para tornar intenso o enlace do leitor com a trama.
Portal ORM - Como surgiu a assinatura de José Louzeiro no prefácio do livro?
Carlos Correia Santos - Tive a honra de conhecer o Louzeiro há uns dois ou três anos, no Rio de Janeiro, onde ele vive. Louzeiro é uma referencia para o romance e para a dramaturgia brasileira. Autor de clássicos como Pixote e Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia. Autor de minisséries bem sucedidas, exibidas na Globo, inclusive. Celebrado por mitos como Marília Pêra. Fomos apresentados por um amigo em comum, o ator Gabriel Titan (aliás, meu obrigado ao Gabriel por esse presente de vida). Foi daqueles encontros tensos e ansiosos entre pupilos e grandes mestres. Lembro que eu subia o elevador do prédio dele e mantinha na mente um artigo em que o Chico Buarque fala sobre como foi seu primeiro encontro com Clarice Lispector. Eu me sentia como o Chico, naquele instante. Levei para o Louzeiro um exemplar de Nu Nery, texto teatral que gira em torno da vida de Ismael Nery, Adalgisa Nery e Murilo Mendes. Quando entreguei o livro a ele e falei do que se tratava, ouvi-o dizer: 'Fui amigo de Adalgisa'. Imediatamente, quis tirar o livro das mãos dele e sair correndo (risos). Era muita responsabilidade. Muita. Bem, ele leu a obra e me elogiou bastante. Nasceu ali uma relação de respeito e bem-querer especialíssima para mim. Naquela nossa conversa, ele logo mencionou Dalcídio. Disse que também tinha sido amigo próximo do nosso querido autor. Quando recebi a notícia da vitória no Prêmio, imediatamente me ocorreu: vou perguntar se o Louzeiro não quer escrever o prefácio. Ele não só aceitou de pronto como me brindou com um lindíssimo, profundo e isento texto de apresentação. Um orgulho sem fim para mim.
Portal ORM - A poeta e contista Olga Savary descreve sua dedicação pela arte e cultura no geral. Você participa de algum projeto de incentivo à cultura?
Carlos Correia Santos - Olga Savary é outro belo presente que a vida em deu. Prima de Drummond, ela é um mito das nossas letras nacionais. Bem, já participei de inúmeros e lindos projetos de fomento à leitura. Acho que ser escritor hoje, nesse país, é um convite coercitivo para se assumir um papel de articulação social. Não se pode falar em escrever, no Brasil, sem antes cuidar do convite a ler. Todos sabem os dramas que vivemos nesse segmento. Os índices de não alfabetização, a questão do não alfabetizado funcional, as distâncias que o jovem vive da leitura. Tudo isso traz ao artista a obrigação de se pensar como um ser com sérias responsabilidades coletivas. Já participei de programas voluntários de alfabetização. Criei e coordenei projetos de incentivo à leitura, como o 'Café com Verso Prosa', que foi muito bem sucedido. Fui o primeiro coordenador do programa de ações preparatórias para a Feira Pan-Amazônica do Livro, que realizava ações em escolas públicas e cidades do interior. Eu amo esse trabalho. Tenho-o como uma missão de vida.
Portal ORM - Diante das várias vertentes que sua literatura alcança, que semelhanças e divergência existem entre elas?
Carlos Correia Santos - A principal semelhança que costura meus exercícios de escrita de contos, poemas, crônicas, peças teatrais, roteiros de cinema e romances é, como eu mencionei acima, a relação com o poético. Em todos esses exercícios lido com a palavra como ferramenta poética. Tento fazer poesia no conto, na crônica, no teatro, no romance e assim por diante. Todos esses exercícios são também, como igualmente já disse, tentativas de mergulhar no profundo da alma humana. Tenho horror ao raso. Incomoda-me muito ver que hoje em dia as relações humanas parecem querer fugir da profundidade. Remo contra essa maré. As divergências?... Vou deixar essa resposta para os leitores. Quero que eles me leiam e me contem sobre isso...
Portal ORM - Seus textos teatrais ganharam grande repercussão na dramaturgia paraense como 'Júlio Irá Voar' e 'Nu Nery'. Que resultados você espera de 'Vela na Tapera'?
Carlos Correia Santos - Escrevo, acima de tudo, para me comunicar. Quero propor sensações, sugerir reflexões, abrir portas para descobertas. O resultado de tudo isso – positivo ou negativo – me alimenta. Quero que as pessoas se emocionem, se incomodem, se misturem à saga das personagens. Quero que pensem sobre Fordlândia, que conheçam um pouco da nossa História (o paraense precisa saber mais sobre si mesmo). O artista quer comover. Mover com. Quero me mover com os leitores. Quero que os leitores se movam com minha história. Que saiam de um ponto emocional e cheguem a outros. Assim, também transitarei por várias emoções. A relação entre autor e leitor é de troca. Ainda que não direta. Intento que 'Velas na Tapera' possa se transformar num vetor para todos esses pontos.
Portal ORM - Há possibilidade deste romance parar nos palcos teatrais?
Carlos Correia Santos - Sim, sempre há. Espero que aconteça. O ator e diretor Cláudio Barros tem um projeto de levar minha literatura para a cena, transformar em um monólogo. Não sei se ele optará por trabalhar com o 'Velas...' ou com outro texto meu. Também penso na possibilidade de que o livro chegue a outros suportes como o audiovisual. As pessoas que já leram o trabalho – quase todas – falam que a narrativa namora muito com o cinema. Enfim, espero que o romance chegue, antes de mais nada, ao maior número possível de leitores, que estabeleça comunicações e conexões. Quero agora que o livro acenda lumes nos corações de quem nele mergulhar. Todo e qualquer capítulo que o futuro trouxer será certamente muito bem vindo.
O teatro e o cinema já conhecem muito bem os textos de Carlos Correia Santos pelas diversas obras que se tornaram sucesso, como 'Nu Nery', 'Júlio Irá Voar' e 'Uma Flor Para Linda Flora'. Recentemente lançado, o livro 'Velas na Tapera' é seu primeiro romance e já garantiu o Prêmio Dalcídio Jurandir 2008.
Poeta, contista, cronista, dramaturgo, roteirista e agora romancista, Carlos Correia é vencedor de prêmios importantes na autoria de 'O Baile dos Versos' (poemas), 'Poeticário' (poemas), 'Nu Nery' (teatro), 'Ópera Profano' (teatro) e 'Batista' (teatro).
'Velas na Tapera' é resultado de vários anos de empenho, pesquisa e dores, como o próprio autor descreve. 'Velas' é uma história sobre dramas humanos, sobre como o destino e a paisagem que nos cerca, muitas vezes, são indutores para os passos que damos', comenta o escritor. O prefácio é escrito por José Louzeiro, um dos mais importantes letristas do Brasil, autor de 40 livros e criador do gênero intitulado 'romance-reportagem'.
O cenário é Fordlândia, núcleo urbano erguido pela Companhia Ford na década de 20, em plena selva amazônica, para produção de látex destinado à fabricação de pneus que seriam utilizados pela poderosa empresa automobilística. No contexto está, Rita Flor, que ao perder sua filha de seis anos em incêndio na tapera, resolve construir uma capela no local por acreditar que a menina virou uma milagreira, mas para isso terá que se prostituir.
No Balaio Virtual dessa semana, Carlos Correia Santos conta sobre a criação de 'Velas na Tapera' e do Prêmio Dalcídio Jurandir. Confira!
Portal ORM - 'Velas na Tapera' venceu em 2008 o prêmio Dalcídio Jurandir. O que o prêmio representa diante de uma obra ainda por lançar?
Carlos Correia Santos - Em primeiro lugar, uma grande honra. O prêmio foi criado pela Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves para celebrar o centenário de nascimento daquele que é, definitivamente, um dos maiores nomes da literatura brasileira e a grande referência para o romance produzido na Amazônia. A categoria em que competi teve abrangência nacional e isso é outro dado que traz mais impacto ainda a conquista que obtive. Meu livro disputou preferência com ótimas obras vindas dos mais diversos cantos do país. Outro dado importante é o fato da vitória ter sido determinada por uma banca de examinadores da mais alta competência e respeitabilidade. Os concursos literários – os sérios, vale ressaltar – fazem, hoje, no Brasil e especialmente aqui na região Norte, o papel de crítica especializada. São o que chamamos de fortuna crítica. “Velas na Tapera” foi submetido à apreciação de professores Doutores em Literatura. Um aval formidável. É como um selo de qualidade ímpar. E, claro, há ainda um aspecto especialíssimo. É meu primeiro romance. Estrear num gênero literário dificílimo como a narrativa longa cercado de todas essas qualificações é, sem dúvida, um presente imenso para minha carreira.
Portal ORM - Ter como cenário a selva amazônica no século 20, especificamente no núcleo urbano construído pela empresa automobilística Ford é no mínimo interessante. O que mais podemos encontrar nesse romance?
Carlos Correia Santos - Dramas humanos. 'Velas...' é uma história sobre dramas humanos, sobre fados, sobre como o destino e a paisagem que nos cerca, muitas vezes, são indutores para os passos que damos. A trama gira em torno de personagens fatalizadas. Por suas próprias escolhas de vida e pelas escolhas que a vida faz. Tenho paixão imensa por mergulhar nos abismos humanos, nas dores mais íntimas. Como diria a poeta Adalgisa Nery, amo as angústias que se guarda em segredo. No livro, todas as personagens são como pedaços do fracasso do projeto Ford. São seres-fantasmas que se arrastam pelo ermo da mata. São vidas paradas, como folhas de árvores que o vento não balança mais. Simplesmente porque o vento parece ter se esquecido de soprar ali, naquela lonjura. Essa, aliás, é a realidade que vive o interiorano da Amazônia até hoje. São vidas como lágrimas de látex congeladas no meio do tronco das seringueiras. Estagnadas. Por outro lado, também me interessa tocar nessa ferida histórica que é Fordlândia. Esse foi um dos mais megalômanos e surreais projetos que já ocuparam as nossas matas. A selva foi rasgada, desvirginada para supostamente trazer o progresso. A vida daqueles ribeirinhos foi virada de ponta cabeça. Eles entraram em contato com tecnologias e sonhos que jamais pensavam existir. E depois foram simplesmente abandonados. A chaga cheia de sotaques e referências gringas ficou lá, exposta em meio ao verde. Dá arrepios visitar Fordlândia. Ver as casas com arquitetura norte-americana. Ainda há por lá hidrantes da época, abraçados às folhagens. Parece um cenário de filme. Uma cidade rigorosamente americana definhando em meio à mata. Já se pensou num projeto de transformar a localidade num museu a céu aberto, o que seria muito válido. Mas nada se fez. Um capítulo incrível da nossa História está ruindo dia a dia, às margens do Tapajós. Tomara que o livro traga alguma luz para esse legado.
Portal ORM - Como foi o processo de criação de 'Velas na Tapera'?
Carlos Correia Santos - Foi um processo árduo, extenso e, justamente por tudo isso, apaixonante. Primeiro estruturei o drama sobre o qual eu queria falar: a história de uma jovem mãe que perde tudo, perde a filha, cai na miséria material, moral e emocional e escapa de um estranho incêndio em sua tapera, uma experiência mística que ela acredita ser fruto de um milagre da filha. Essa mulher decide construir uma capela para sua pequena milagreira, mas não tem dinheiro, nem esteio algum. Assim, acaba se tornando prostituta para conseguir a verba com qual erguerá a capela. Eu queria falar sobre essa dicotomia. Fascinam-me os diálogos entre o profano e o religioso. Estabelecido esse enredo, determinados os personagens que giram em torno dele, eu tomei a decisão de ambientar o conflito no cenário de Fordlândia. Então, parti para outra coisa que amo: a pesquisa. Foram vários anos pesquisando Fordlândia. Eu tive que entender com rigor todo o processo histórico e econômico que cerca o episódio. Tive que programar visitas a localidade – algo, aliás, complicadíssimo de se fazer. Depois cruzei as duas frentes. Pus os personagens que construí na minha imaginação para viver nesse cenário que de fato existe. Aí, é preciso ter todo cuidado do mundo para não se cometer erros, para não se fugir da coerência histórica, para não se abrir mão da chamada verossimilhança. O leitor tem que mergulhar na leitura e acreditar que aquelas pessoas realmente transitaram por aquele cenário. “Velas na Tapera” tem mais de trinta personagens – entre principais e secundários. Conduzir todas essas criaturas é uma missão louca e cansativa. Mas o prêmio foi uma coroação e um aval para todo esse empenho que levou coisa de quatro anos para ser concluído.
Portal ORM - José Louzeiro, autor do prefácio do livro, comenta que sua obra 'prima pela criatividade e pela singularidade na maneira de expressar-se'. O que 'Vela na Tapera' traz dessa originalidade que o romancista se refere?
Carlos Correia Santos - Como operário da palavra, tenho esse compromisso de trabalhar a linguagem como quem esculpe um mármore finíssimo. Não basta contar uma história instigante, cercada por um contexto histórico especial. Para mim, é preciso fazer tudo isso com esmero na técnica da escrita. Então, busco arduamente as possibilidades poéticas do escrever. O primeiro gênero que exercitei foi o poema. Isso é um condão que me acompanha em todos os outros exercícios de escrita. O Louzeiro – o grande mestre Louzeiro – se refere a isso. E o simples fato dele perceber e exaltar essa minha dedicação é um prêmio dentro do prêmio. O leitor, portanto, vai encontrar uma história cuja escrita tenta vivamente fugir do lugar comum. Uso várias técnicas para tornar intenso o enlace do leitor com a trama.
Portal ORM - Como surgiu a assinatura de José Louzeiro no prefácio do livro?
Carlos Correia Santos - Tive a honra de conhecer o Louzeiro há uns dois ou três anos, no Rio de Janeiro, onde ele vive. Louzeiro é uma referencia para o romance e para a dramaturgia brasileira. Autor de clássicos como Pixote e Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia. Autor de minisséries bem sucedidas, exibidas na Globo, inclusive. Celebrado por mitos como Marília Pêra. Fomos apresentados por um amigo em comum, o ator Gabriel Titan (aliás, meu obrigado ao Gabriel por esse presente de vida). Foi daqueles encontros tensos e ansiosos entre pupilos e grandes mestres. Lembro que eu subia o elevador do prédio dele e mantinha na mente um artigo em que o Chico Buarque fala sobre como foi seu primeiro encontro com Clarice Lispector. Eu me sentia como o Chico, naquele instante. Levei para o Louzeiro um exemplar de Nu Nery, texto teatral que gira em torno da vida de Ismael Nery, Adalgisa Nery e Murilo Mendes. Quando entreguei o livro a ele e falei do que se tratava, ouvi-o dizer: 'Fui amigo de Adalgisa'. Imediatamente, quis tirar o livro das mãos dele e sair correndo (risos). Era muita responsabilidade. Muita. Bem, ele leu a obra e me elogiou bastante. Nasceu ali uma relação de respeito e bem-querer especialíssima para mim. Naquela nossa conversa, ele logo mencionou Dalcídio. Disse que também tinha sido amigo próximo do nosso querido autor. Quando recebi a notícia da vitória no Prêmio, imediatamente me ocorreu: vou perguntar se o Louzeiro não quer escrever o prefácio. Ele não só aceitou de pronto como me brindou com um lindíssimo, profundo e isento texto de apresentação. Um orgulho sem fim para mim.
Portal ORM - A poeta e contista Olga Savary descreve sua dedicação pela arte e cultura no geral. Você participa de algum projeto de incentivo à cultura?
Carlos Correia Santos - Olga Savary é outro belo presente que a vida em deu. Prima de Drummond, ela é um mito das nossas letras nacionais. Bem, já participei de inúmeros e lindos projetos de fomento à leitura. Acho que ser escritor hoje, nesse país, é um convite coercitivo para se assumir um papel de articulação social. Não se pode falar em escrever, no Brasil, sem antes cuidar do convite a ler. Todos sabem os dramas que vivemos nesse segmento. Os índices de não alfabetização, a questão do não alfabetizado funcional, as distâncias que o jovem vive da leitura. Tudo isso traz ao artista a obrigação de se pensar como um ser com sérias responsabilidades coletivas. Já participei de programas voluntários de alfabetização. Criei e coordenei projetos de incentivo à leitura, como o 'Café com Verso Prosa', que foi muito bem sucedido. Fui o primeiro coordenador do programa de ações preparatórias para a Feira Pan-Amazônica do Livro, que realizava ações em escolas públicas e cidades do interior. Eu amo esse trabalho. Tenho-o como uma missão de vida.
Portal ORM - Diante das várias vertentes que sua literatura alcança, que semelhanças e divergência existem entre elas?
Carlos Correia Santos - A principal semelhança que costura meus exercícios de escrita de contos, poemas, crônicas, peças teatrais, roteiros de cinema e romances é, como eu mencionei acima, a relação com o poético. Em todos esses exercícios lido com a palavra como ferramenta poética. Tento fazer poesia no conto, na crônica, no teatro, no romance e assim por diante. Todos esses exercícios são também, como igualmente já disse, tentativas de mergulhar no profundo da alma humana. Tenho horror ao raso. Incomoda-me muito ver que hoje em dia as relações humanas parecem querer fugir da profundidade. Remo contra essa maré. As divergências?... Vou deixar essa resposta para os leitores. Quero que eles me leiam e me contem sobre isso...
Portal ORM - Seus textos teatrais ganharam grande repercussão na dramaturgia paraense como 'Júlio Irá Voar' e 'Nu Nery'. Que resultados você espera de 'Vela na Tapera'?
Carlos Correia Santos - Escrevo, acima de tudo, para me comunicar. Quero propor sensações, sugerir reflexões, abrir portas para descobertas. O resultado de tudo isso – positivo ou negativo – me alimenta. Quero que as pessoas se emocionem, se incomodem, se misturem à saga das personagens. Quero que pensem sobre Fordlândia, que conheçam um pouco da nossa História (o paraense precisa saber mais sobre si mesmo). O artista quer comover. Mover com. Quero me mover com os leitores. Quero que os leitores se movam com minha história. Que saiam de um ponto emocional e cheguem a outros. Assim, também transitarei por várias emoções. A relação entre autor e leitor é de troca. Ainda que não direta. Intento que 'Velas na Tapera' possa se transformar num vetor para todos esses pontos.
Portal ORM - Há possibilidade deste romance parar nos palcos teatrais?
Carlos Correia Santos - Sim, sempre há. Espero que aconteça. O ator e diretor Cláudio Barros tem um projeto de levar minha literatura para a cena, transformar em um monólogo. Não sei se ele optará por trabalhar com o 'Velas...' ou com outro texto meu. Também penso na possibilidade de que o livro chegue a outros suportes como o audiovisual. As pessoas que já leram o trabalho – quase todas – falam que a narrativa namora muito com o cinema. Enfim, espero que o romance chegue, antes de mais nada, ao maior número possível de leitores, que estabeleça comunicações e conexões. Quero agora que o livro acenda lumes nos corações de quem nele mergulhar. Todo e qualquer capítulo que o futuro trouxer será certamente muito bem vindo.
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