segunda-feira, 22 de novembro de 2010

HELDER BENTES E O BRADO PELOS AUTORES VIVOS


Cena da montagem escolar de Ópera Profano, dirigida por Helder Bentes


Reproduzo aqui artigo do professor e crítico literário Helder Bentes publicado em sua coluna no Portal ORM

Os autores devem ser reconhecidos em vida

Dentre os muitos comentários maldosos que ouvi por ocasião da estreia de minha versão de ÓPERA PROFANO para adolescentes, houve um que merece resposta. Ei-la:

Além de venerar a obra do escritor Carlos Correia Santos, sou seu amigo. Amizade esta que nasceu da paixão comum que temos pela literatura. Não tenho culpa se há autores paraenses que não divulgam seu trabalho. Desde que assino esta coluna no Portal ORM, recebo trabalhos de escritores (e pretensos escritores também!) do mundo inteiro. Mas, por incrível que pareça, daqui do norte do Brasil, Carlos Correia Santos é o único que me mantém informado a respeito de sua produção.

Penso que os escritores paraenses são muito espertos para escrever, mas muito acomodados para divulgar suas produções. Depois ficam curtindo ciuminhos sem sentido. Parecem alguns professores da academia que produzem conhecimento e ficam em suas cátedras, esperando que a imprensa vá até lá. Como, se eles não mostram nem seus trabalhos, nem suas caras?
Cada vez mais a imprensa está se popularizando por causa da falta de iniciação artística e intelectual do povão, e a elite letrada do Estado fica se deleitando em devaneios de titulação acadêmica e ciuminhos que nada têm a ver com os efeitos purgativos da arte.

Penso que artista de verdade se envaidece com sabedoria. Uma vaidade saudável de quem tem consciência do bem que faz à humanidade com sua arte e sabe administrar esta vaidade até a zona que a separa do ridículo, pois vaidade é não ter falsa modéstia. Ser humilde é o oposto de humilhar, e o orgulho saudável é o de se saber útil. Afinal, ninguém foi criado para a inutilidade.

Seria por isso que a gente sofre de um câncer cultural que só reconhece a utilidade de quem já morreu? Outro dia fui convidado por uma emissora de TV a dar uma entrevista sobre a vida e a obra do poeta Haroldo Maranhão. Ao me preparar para esta entrevista, revirando meus arquivos sobre o poeta, lembrei-me de que a primeira obra que li de Haroldo Maranhão foi a novela Miguel Miguel, quando esta foi leitura obrigatória de vestibular.

Haroldo Maranhão morreu em 2004, mas começou a publicar em 1968, e posso apostar minha modesta biblioteca, sem medo de perdê-la, que o povo paraense ouviu falar mais de Haroldo Maranhão depois que ele morreu. Nada contra as homenagens póstumas, pois todo escritor imortaliza-se pelo legado literário produzido em vida, mas por que nossos autores parecem ter uma autoestima tão baixa a ponto de não ousarem divulgar seus trabalhos? Parece haver uma dinâmica contrária à leitura como pano de fundo desse elogio póstumo.

Em 1968 não havia recursos digitais que facilitassem o acesso à informação, e as condições políticas do Brasil também não facilitavam este acesso, mas a arte era a válvula de escape contra a censura.

Certa noite, ouvindo Chico Buarque sob o efeito de um bom vinho, pensei que a ditadura foi um bom mote para o desenvolvimento da veia artística. Até viajei! Já pensou se a elite intelectual e artística deste país fizesse uma ditadura contra a indústria cultural que censura a arte verdadeira? Muita gente que se pretende artista seria artista de fato e de direito.

Em 1968, algumas pessoas liam. A maioria não. Será que o processo educacional acompanhou a tecnologia? Se o acesso à informação é mais fácil hoje, por que a maioria continua não lendo? De quem é a culpa?

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