sábado, 20 de setembro de 2008

VELAS NA TAPERA - PRÊMIO DALCÍDIO JURANDIR

Aqui, partilho com todos um trecho do meu primeiro romance: "Velas na Tapera". A obra acaba de vencer o importantíssimo prêmio Dalcídio Jurandir. Concurso de nível nacional, criado para homenagear o centenário de um dos mais importantes nomes da Literatura Amazônica. O livro será editado e amplamente divulgado. Eis as minhas "Velas"...

PARTE SEGUNDA

Trecho XXIII


O sol. Aceso. Vela sazonal no céu azul. A acender memórias e sensações. Foi como se o sol mais forte ficasse quando Rita serenou seus passos descalços em frente ao grandioso prédio da antiga serraria. A luz do dia clareou distâncias nos olhos da mãe viúva-órfã. Distâncias no tempo. Antes de prosseguir com o que fora ali fazer, correu um demorado apreciar pela fachada do lugar. O silêncio da ruína. Era possível enxergar silêncios no lento desfazer-se exposto pelo prédio. E seu lento apreciar foi deslizando pelos detalhes todos. A estrutura ampla e alta, dona de contornos geométricos. Inteira fabricada em Michigan e transportada peça por peça para ser montada naquelas paragens... Tudo transformado em mutismo... Tudo... Deixou o esquadrinhar fluir para a ainda imponente caixa d´água que ficava a alguns metros. Trouxe-o de volta para a construção a sua frente...

Respirou fundo.

Por fim, iniciou o resgate que decidira dar a si mesma. Num mover-se quase imaginário, entrou na abandoada serraria. Primeiro aquilo. Naturalmente aquilo: o vazio de um interior estagnado. Caminhou, caminhou. Passou pelos restos de maquinário. Deslizou a ponta dos dedos por equipamentos inertes, a um triz da ferrugem. Esquivou-se languidamente de sobras de vigas e restos de tábuas. Caminhou e caminhou pelo mudo presente de um rico passado...

O passado... Um longo migrar de ar pelas narinas.... O passado...

Era hora de trazer para o presente o passado...

Fechou os olhos lentamente.

E quando os reabriu...

A pleno pique funcionava a serraria do projeto Ford. Era preciso manter a produção de quarenta e cinco mil tábuas por mês. Era preciso. Talvez os homens todos que ali arrastavam horas e mais horas de trabalho sequer soubessem, mas suavam sua labuta na maior serraria da América Latina de então. A madeira gritando no corte preciso graças ao que parecia milagre: energia elétrica no meio da mata. Homens do mundo inteiro. Jornada intensa carregada nos ombros de homens do mundo inteiro. Entre eles, compenetrado, movimentos todos doados ao produzir... O texano Duncan Miller... As retinas de Rita cristalizaram-se... Era Duncan... Outra vez como sempre: inteiro perfeição para seus olhos... (...)

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