quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

NO ÔNIBUS EXPRESSO D´ALMA - CRÔNICA


Carlos Correia Santos


O veículo da linha bairro-centro finalmente surgiu. Após uma vida esperando, ele fez sinal e correu para não perder a condução.

Então, era isso! Essa coisa de todo dia pegar o ônibus das sete e meia da manhã para ir ao trabalho. A rota da rotina. Sempre subir rápido para que a arrancada não resulte numa queda junto ao meio fio. Meio tonto, esquivar-se da porta que sempre fecha de forma truncada. Sempre o vale transporte sendo entregue a um cobrador letárgico, apático. A roleta que sempre gira sonolenta, gemendo estalidos que se misturam aos bocejos dos anônimos confrades aglutinados no coletivo. (Coletivo... Palavra irritantemente própria). É preciso esgueirar-se por entre todos aqueles corpos que fingem parecer firmes, preparados para a labuta. Arrastar-se e dar a sorte de achar um lugar vago. Aquele único lugar - graças a Deus - junto a janela. Sentar-se no quente de um alguém que acabara de ir... Sentar-se e respirar fundo. Encher os pulmões para enfrentar o que tivesse de ser aquele hoje...

Por que os ônibus das 7h30 têm sempre de nos levar ao trabalho? E se, naquele dia, o motorista virasse a esquina, na altura da praça, e tomasse o rumo de Paris? Sentado junto à janela, ele sentiu vontade de rir... Desejo de, naquele hoje, ir para um hoje no lugar mais fantástico possível...

Quis fechar as pálpebras no exato momento em que os semáforos se abrissem para um rumo a sua escolha. Reabrir os olhos e ver, além da janela do coletivo das 7h30, que estava a dois minutos de chegar às ilhas Seychelles. Sim... E já era possível ver o azul do mar. Era possível ouvir aquela canção de Tim Maia.

No que as ondas se agitassem com a passagem do ônibus das 7h30, assistir as piruetas dos golfinhos de Fernando de Noronha. Que vontade de rir... Riso de encantamento com o bosque no qual o coletivo acabava de entrar. Um reino de verde. Ver de longe gnomos, ver de perto algumas fadas. Estender a mão para fora da janela e tocar borboletas. Borboletas que se fossem pelo ar...

O ônibus das 7h30 quebrando o vento. A brisa batendo no rosto. No meio de todo aquele enlevo, de repente perceber que o coletivo simplesmente estava voando. Atravessando nuvens. Esticando-se um pouco para admirar melhor o exterior, contemplar, lá em baixo, um tempo em que os bondes das 7h30 levavam para empregos melhores gente mais feliz. Um tempo em que o único passatempo era esperar por um futuro tranqüilo. Quis seguir naquele sentido, mas era impossível. Aquela era a direção do que não volta...

E se fosse possível que sua alma descesse daquele ônibus, pegasse um táxi e fosse para a lua? Lá chegando, virar-se na direção do coração e contemplar Vênus. Tudo isso apenas para pedir ao cosmos um amor ao lado do qual construísse prosperidades. Um amor ao lado do qual tomasse um rumo em que não precisasse mais pegar aqueles “ônibus das 7h30”.

Sonhos, sonhos... Quanto custará uma passagem que nos leve aos melhores sonhos? Quais vales nos transportam às boas quimeras?...

Um som de buzina...

E a realidade retorna de modo brusco. O ônibus das 7h30 faz-se de novo o que meramente era: o ônibus das 7h30. Com seu motorista que arrancava sempre que um passageiro acabava de subir. Com seu cobrador que sempre pegava os vale-transportes letargicamente. Com a roleta que sempre gemia ao girar. Com seu aglomerado de vidas sonolentas.

Sentiu vontade de rir. E riu, dando-se conta de que os lugares pelos quais “havia passado” eram todos paragens bem próximas. Porque o “aqui” pode ser qualquer lugar que se queira.

Lançou o olhar além da janela e viu... Viu que estava a alguns quarteirões da parada em que tinha de descer para ir ao trabalho.

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