JORNAL O LIBERAL
CADERNO MAGAZINE
Edição de 10/10/2008
PARA LEMBRAR
Centenário do autor
Antônio Tavernard
gera debate sobre
memória cultural
CARLOS CORREIA SANTOS
Da Editoria
'O que esperar de um poeta que explica: 'Há sempre no caminho alguém que espera / e na distância alguém que não vem mais / Mas a esperança é como a primavera / que até nas pedras faz florir rosais'? Como explicar um artista que define: 'a vida é louca / dura o que dura um riso numa boca'? Um poeta assim não se define, não se explica. Porém, um poeta assim espera. Espera por reconhecimento. Aguarda por aplausos e respeito.
Exatamente no dia de hoje completaria cem anos o autor dos versos que abrem essa matéria: Antônio de Nazareth Frazão Tavernard. Ou, simplesmente, Antônio Tavernard. Um dos mais significativos escritores brasileiros nascidos no Pará. Além de criador de estrofes raras, foi contista, cronista, letrista e dramaturgo. Produção que lhe rendeu o título de patrono da recente XII Feira Pan-Amazônica do Livro. Entre outras grandes criações, são de sua autoria a letra do hino do Clube do Remo e as letras das canções 'Foi Boto Sinhá' e 'Matinta Pereira', feitas em parceria com Waldemar Henrique. Apesar de toda essa grandeza, Tavernard ainda aguarda. Sua obra exige maior aclamação pública, maior atenção das esferas acadêmicas e do próprio ciclo literário. A casa em que nasceu, em Icoaraci, está atualmente em ruínas e serve de guarida para grupos de assaltantes. Para os estudiosos do escritor, Tony – como ele era afetivamente conhecido – ainda parece vagar pelo caminho que separa as pedras dos rosais.
'Tavernard prova que não devemos falar em autor paraense. Ele está diretamente ligado ao melhor das letras brasileiras. Ele é um grande escritor nacional', defende a professora de Literatura e também poeta, Walkíria das Mercês. E ela acrescenta: 'Trata-se de um artista com valores muito próprios. Ele não deve nada a nomes como Raul Bopp, por exemplo'. Outro professor de Literatura Brasileira que faz questão de expressar sua admiração é Guilherme Júnior, da UVA: 'Estamos falando de um criador que se ligou a várias estéticas. Ele viveu o modernismo na Amazônia, mas bebeu da fonte do simbolismo. É possível sentir relações de sua escrita com nomes como Augusto dos Anjos. Não bastasse tudo isso, Tavernard foi pós-modernista'.
DRAMA
Um dos caminhos mais comuns para se falar da trajetória de Antônio Tavernard é o que leva ao drama pessoal que o artista viveu. Aos 18, foi diagnosticado com hanseníase. Pediu para que a família construísse um rancho nos fundos de sua residência – situada numa das esquinas do cruzamento entre a Generalíssimo e a Conselheiro – e ali se dedicou vivamente à escrita, sabendo que seu destino era a morte precoce. O que, de fato, aconteceu em 1936. Para Walkíria, a agonia íntima do escritor não tem nenhuma relação com a intensidade de seu talento: 'Ele já era um grande poeta antes de ficar enfermo. A doença trouxe um comprometimento físico apenas. Sua poeticidade foi maior que tudo'.
Outra professora de Literatura apaixonada pelo bardo nortista é Sheila Maués. Ela afirma: 'Tavernard é um artista da palavra que permanece sempre novidade. É, sobretudo, um experimentador de novas possibilidades poéticas, como também o foram os grandes nomes das artes de sua época. Como homem lúcido que foi, não permaneceu quieto e resignado enquanto o mundo inteiro ou seu universo particular decaíam'. Guilherme Júnior complementa: 'Uma das principais habilidades dele foi projetar uma visão lírica e poética da Amazônia. É possível afirmar que ele incluiu a região amazônica no cenário nacional, assim como fizeram Mário e Oswald de Andrade'.
RESGATES
O peso da obra do poeta lhe garantiu na última Feira do Livro ciclos de debates e a criação de uma exposição especial que permanecerá aberta ao público paraense na Biblioteca Pública Arthur Viana, do Centur. 'Iniciativas que já começam a surtir efeitos. Temos informações sobre vários trabalhos acadêmicos de graduação e pós-graduação que estão se desenvolvendo a partir das palestras da Pan-Amazônica', conta Sheila. Entretanto, a maioria dos olhares que têm se voltado para o poeta são mesmo os do desconhecimento. Claudiane Guimarães, 25 anos, esteve na Pan-Amazônica e confessa seu espanto: nunca tinha ouvido falar sobre o escritor. 'Estou fazendo curso de Letras e afirmo: não conheci Tavernard nem na escola, nem na universidade. Acho lamentável'.
Walkíria das Mercês não poupa palavras sobre a questão: 'Precisamos acabar com essa acomodação e com esse preconceito que nos afasta dos nossos patrimônios culturais. Temos que exigir mais ações dos órgãos governamentais, das universidades, das academias de letras'. Guilherme Júnior faz mais alertas: 'Precisamos produzir estudos sobre a recepção da obra dele. Outra coisa fundamental: além de lutarmos pela republicação de seus livros, precisamos ter mais acesso a materiais raros sobre o autor, como os que estão na Academia Paraense de Letras'.
As páginas da esfera administrativa, contudo, se abrem para dar algumas boas notícias. O diretor cultural da Secretaria de Cultura do Estado (Secult), Carlos Henrique Gonçalves adianta alguns projetos para a preservação do legado de Tony: 'Esse ano, iniciamos um processo destinado a revelar a importância da obra do Tavernard. Os festejos em torno do centenário são importantes. É maravilhoso saber que meio milhão de pessoas esteve em contato com seu universo na Feira do Livro. Com relação à questão do patrimônio físico, já iniciamos as obras de escoramento das paredes da casa em que ele nasceu. Além disso, devemos fazer a edição histórica de duas de suas obras: Fêmea e Almas Tropicais'.
Assim, esperam os leitores. Porque há sempre nos caminhos do esquecimento leitores que esperam por talentos que fazem brotar rosais em pedra e provam que a vida, mesmo durando o riso de uma boca, pode ter a eternidade da emoção. Esperam os leitores por um poema que parece tão justo: respeito para Antônio Tavernard. 'Artistas como ele, são importantes porque transformam o panorama da literatura de um lugar e transformam o tempo com sua criatividade', arremata Sheila Maués.
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