Abaixo, matéria publicada na capa do caderno MAGAZINE, de O Liberal, em 30 de setembro de 2008.
ESPECIAL
Teatro paraense
assiste o surgimento
de novos artistas
em várias frentes
CARLOS CORREIA SANTOS
Da Editoria / Magazine - O Liberal
Antes, bem antes do famoso “ser ou não ser”, o teatro era. O teatro é. O teatro sempre será. A arte teatral é contestadora, é revolucionária, é inquietante, é inovadora. Então, não há como duvidar: quando esse gênero se reconstrói, o lugar comum se descortina e a criatividade ganha a chance de renascer. O movimento teatral paraense parece estar vivendo um desses momentos de reinvenção. São vários os recém surgidos grupos, produtores, atores, diretores e dramaturgos que se mostram decididos a protagonizar outras cenas, outros atos para a cultura local.
Mas como todo exercício artístico exige solidez para ser justificável, entra em foco a pergunta: o que, de fato, esses novos grupos têm a apresentar? Quem são e o que realmente querem esses novos personagens dos nossos tablados?
“Quero que as pessoas se sintam menos solitárias. Decidi me dedicar ao teatro aqui para tentar fazer o público um pouquinho mais feliz. Uma tarefa dificílima e arrogante”, polemiza o jovem ator, diretor e dramaturgo Saulo Sisnando. Autor dos espetáculos “Útero”, “Pop Porn” e “Cartas para Ninguém” – recentemente montados na cidade com considerável repercussão e nenhum patrocínio oficial - , o artista se assume um empreendedor da atual geração: “A simples escolha de trabalhar com teatro aqui já me torna um empreendedor. Porque é muito difícil. Só que é difícil trabalhar com teatro em qualquer lugar. Tenho amigos no Rio e em São Paulo que estão ralando do mesmo jeito. Sei que até na Europa e nos EUA é complicado viver de teatro. Mas o importante é que faço o que gosto, do jeito que gosto e acredito”.
CORAÇÃO
A expressão corporal, a fala, tudo nas performances do jovem dramaturgo e diretor Haroldo França reinterpreta o sentimento. Para o artista, criador do grupo “Teatro em Cores”, investir tão cedo nas trincheiras da encenação significa colocar o coração no palco. “Tudo se resume ao amor. Meu grupo é formado por gente apaixonada. Nosso maior objetivo é tocar as pessoas com a arte. Ficamos muito felizes quando ouvimos o depoimento de algum espectador que vem nos contar que se sentiu mexido por nosso trabalho. Nesse momento dizemos: vale a pena. E muito”, afirma Haroldo após realizar uma temporada experimental de sua peça “Jogo de Sete”. A produção ganhou sessão especial para ser vista e gerar críticas que possam melhorar a obra posteriormente.
Já os integrantes do recém fundado grupo Teatro do Ofício não fazem cena. Eles afirmam sem medo que estão passando por uma fase única. Quando ainda viviam a preocupação de legalizar a trupe, conquistaram uma interessante vitória. Os jovens artistas tiveram o projeto de montagem do espetáculo infanto-juvenil “Uma Flor para Linda Flora” selecionado no Edital Estadual de Fomento às Artes Cênicas, promovido pela Secretaria de Cultura do Pará, no início do semestre. Agora querem se dedicar à experimentação: “O surgimento da companhia foi conseqüência de anos de parceria em outros grupos, além de uma simultânea insatisfação e ansiedade naturais de experimentar uma trajetória autoral”, explica um dos membros, o ator e produtor Stéfano Paixão.
EDUCAÇÃO
Como há sempre mais coisas entre o céu e a terra do que suspeita nossa fã filosofia, num outro viés de interesses, há quem aposte numa concepção que se mostra cada vez mais oportuna: a arte-educação. “Queremos educar. Resolvemos montar nosso grupo para tratar de temas como meio ambiente e o folclore”, revela a atriz Jaque Tedesco, integrante da novíssima companhia “Porta de Entrada”, que há pouco levou ao cartaz o espetáculo “Super Heróis da Floresta”. E ela explica que sua turma decidiu investir no aspecto estrutural para vencer o desafio de se manter no cenário local: “Contamos com aproximadamente 16 pessoas, entre administração, direção, atores e dançarinos. O diferencial do grupo é que somos quase todos pedagogos”
Mas o compromisso de educar através da arte assume feições mais sutis entre os novos agentes teatrais da cidade. E, ainda assim, grande é a luta para receber aplausos. Envolvido há pouquíssimos meses com o desafio de erguer a estrutura de uma peça, o jovem ator e recente produtor Márcio Mourão decidiu apostar nas comemorações do centenário do poeta Antônio Tavernard para encarar a missão de trazer à ribalta o espetáculo “Duelo do Poeta com Sua Alma de Belo”, inspirado na vida e na obra do escritor nascido em Icoaraci. Apesar do projeto também ter sido selecionado no Edital da Secult e ter estreado na última Feira Pan-Amazônica do Livro, muitos têm sido os obstáculos: “As coisas são mais difíceis para quem está iniciando. E eu nem falo da questão do patrocínio que passa longe, longe de nós. Falo mesmo questão dos apoios. Salvo raras exceções, os apoiadores tendem a desconfiar dos novatos. Eles acham, muitas vezes equivocadamente, que não oferecemos possibilidade de retorno”.
Também representante do atual cenário cultural, a produtora Tati Brito vai além: “Acredito que, pelo fato do teatro feito aqui ainda estar em fase de formação de platéia e de público pagante, sobreviver disso ainda fica difícil. Só conseguimos sobreviver com a ajuda das leis de incentivo. É problemático saber que as pessoas reclamam de pagar vinte reais para ver uma peça no espaço Cuíra, por exemplo. Principalmente quando sabemos que peças vindas de fora fazem lotar o Da Paz”
CONVICÇÕES
Em meio a todo esse conflito, o texto dado por Jaque Tedesco acaba se tornando relevante: “As dificuldades são enormes mesmo. Enormes. Mas o fato de sermos independentes nos faz aprender muita coisa”. Carlos Henrique Vieira, cenógrafo do grupo Ofício, ressalta seu ponto de vista: “O lado positivo das rupturas é a oportunidade de reciclar as gerações de artistas teatrais, de injetar fôlego novo. Cabe a nós, é claro, essa responsabilidade. Não podemos voltar atrás. Fazer teatro é uma paixão e um vício”.
Entre um ato e outro de todo este cenário, a preocupação em agradar acaba se tornando dramaturgia pouco interessante para muitos. É o caso de Saulo Sisnando que afirma ser fiel somente às suas propostas: “Eu acho que estou indo contra a maré do teatro local. Creio que faço um teatro que os ditos entendidos julgam de péssima qualidade. Mas, por outro lado, tenho a certeza de que muitas pessoas falam mal por puro preconceito. Já recebi boas criticas de pessoas bastante talentosas”. Haroldo França reforça o coro da falta de aceitação, porém não se abate: “Sinto que parte da velha guarda tem dificuldade em aceitar os diretores novos, principalmente os mais jovens. Mas acho compreensível. Afinal, o desconhecido costuma causar estranhamento”.
Mesmo sob as seculares máscaras do drama e da comédia, os novos personagens do teatro paraense usam a cara e a coragem para encenar seus sonhos, seus ideais, suas doces loucuras. Na platéia está um público cada vez mais necessitado de arte original, corajosa, desafiadora. Eis a questão... Ser ou não ser público para aplaudir de pé o empenho destes artistas? A resposta? Bem, a resposta só será conhecida quando se fecharem às cortinas do futuro.
ESPECIAL
Teatro paraense
assiste o surgimento
de novos artistas
em várias frentes
CARLOS CORREIA SANTOS
Da Editoria / Magazine - O Liberal
Antes, bem antes do famoso “ser ou não ser”, o teatro era. O teatro é. O teatro sempre será. A arte teatral é contestadora, é revolucionária, é inquietante, é inovadora. Então, não há como duvidar: quando esse gênero se reconstrói, o lugar comum se descortina e a criatividade ganha a chance de renascer. O movimento teatral paraense parece estar vivendo um desses momentos de reinvenção. São vários os recém surgidos grupos, produtores, atores, diretores e dramaturgos que se mostram decididos a protagonizar outras cenas, outros atos para a cultura local.
Mas como todo exercício artístico exige solidez para ser justificável, entra em foco a pergunta: o que, de fato, esses novos grupos têm a apresentar? Quem são e o que realmente querem esses novos personagens dos nossos tablados?
“Quero que as pessoas se sintam menos solitárias. Decidi me dedicar ao teatro aqui para tentar fazer o público um pouquinho mais feliz. Uma tarefa dificílima e arrogante”, polemiza o jovem ator, diretor e dramaturgo Saulo Sisnando. Autor dos espetáculos “Útero”, “Pop Porn” e “Cartas para Ninguém” – recentemente montados na cidade com considerável repercussão e nenhum patrocínio oficial - , o artista se assume um empreendedor da atual geração: “A simples escolha de trabalhar com teatro aqui já me torna um empreendedor. Porque é muito difícil. Só que é difícil trabalhar com teatro em qualquer lugar. Tenho amigos no Rio e em São Paulo que estão ralando do mesmo jeito. Sei que até na Europa e nos EUA é complicado viver de teatro. Mas o importante é que faço o que gosto, do jeito que gosto e acredito”.
CORAÇÃO
A expressão corporal, a fala, tudo nas performances do jovem dramaturgo e diretor Haroldo França reinterpreta o sentimento. Para o artista, criador do grupo “Teatro em Cores”, investir tão cedo nas trincheiras da encenação significa colocar o coração no palco. “Tudo se resume ao amor. Meu grupo é formado por gente apaixonada. Nosso maior objetivo é tocar as pessoas com a arte. Ficamos muito felizes quando ouvimos o depoimento de algum espectador que vem nos contar que se sentiu mexido por nosso trabalho. Nesse momento dizemos: vale a pena. E muito”, afirma Haroldo após realizar uma temporada experimental de sua peça “Jogo de Sete”. A produção ganhou sessão especial para ser vista e gerar críticas que possam melhorar a obra posteriormente.
Já os integrantes do recém fundado grupo Teatro do Ofício não fazem cena. Eles afirmam sem medo que estão passando por uma fase única. Quando ainda viviam a preocupação de legalizar a trupe, conquistaram uma interessante vitória. Os jovens artistas tiveram o projeto de montagem do espetáculo infanto-juvenil “Uma Flor para Linda Flora” selecionado no Edital Estadual de Fomento às Artes Cênicas, promovido pela Secretaria de Cultura do Pará, no início do semestre. Agora querem se dedicar à experimentação: “O surgimento da companhia foi conseqüência de anos de parceria em outros grupos, além de uma simultânea insatisfação e ansiedade naturais de experimentar uma trajetória autoral”, explica um dos membros, o ator e produtor Stéfano Paixão.
EDUCAÇÃO
Como há sempre mais coisas entre o céu e a terra do que suspeita nossa fã filosofia, num outro viés de interesses, há quem aposte numa concepção que se mostra cada vez mais oportuna: a arte-educação. “Queremos educar. Resolvemos montar nosso grupo para tratar de temas como meio ambiente e o folclore”, revela a atriz Jaque Tedesco, integrante da novíssima companhia “Porta de Entrada”, que há pouco levou ao cartaz o espetáculo “Super Heróis da Floresta”. E ela explica que sua turma decidiu investir no aspecto estrutural para vencer o desafio de se manter no cenário local: “Contamos com aproximadamente 16 pessoas, entre administração, direção, atores e dançarinos. O diferencial do grupo é que somos quase todos pedagogos”
Mas o compromisso de educar através da arte assume feições mais sutis entre os novos agentes teatrais da cidade. E, ainda assim, grande é a luta para receber aplausos. Envolvido há pouquíssimos meses com o desafio de erguer a estrutura de uma peça, o jovem ator e recente produtor Márcio Mourão decidiu apostar nas comemorações do centenário do poeta Antônio Tavernard para encarar a missão de trazer à ribalta o espetáculo “Duelo do Poeta com Sua Alma de Belo”, inspirado na vida e na obra do escritor nascido em Icoaraci. Apesar do projeto também ter sido selecionado no Edital da Secult e ter estreado na última Feira Pan-Amazônica do Livro, muitos têm sido os obstáculos: “As coisas são mais difíceis para quem está iniciando. E eu nem falo da questão do patrocínio que passa longe, longe de nós. Falo mesmo questão dos apoios. Salvo raras exceções, os apoiadores tendem a desconfiar dos novatos. Eles acham, muitas vezes equivocadamente, que não oferecemos possibilidade de retorno”.
Também representante do atual cenário cultural, a produtora Tati Brito vai além: “Acredito que, pelo fato do teatro feito aqui ainda estar em fase de formação de platéia e de público pagante, sobreviver disso ainda fica difícil. Só conseguimos sobreviver com a ajuda das leis de incentivo. É problemático saber que as pessoas reclamam de pagar vinte reais para ver uma peça no espaço Cuíra, por exemplo. Principalmente quando sabemos que peças vindas de fora fazem lotar o Da Paz”
CONVICÇÕES
Em meio a todo esse conflito, o texto dado por Jaque Tedesco acaba se tornando relevante: “As dificuldades são enormes mesmo. Enormes. Mas o fato de sermos independentes nos faz aprender muita coisa”. Carlos Henrique Vieira, cenógrafo do grupo Ofício, ressalta seu ponto de vista: “O lado positivo das rupturas é a oportunidade de reciclar as gerações de artistas teatrais, de injetar fôlego novo. Cabe a nós, é claro, essa responsabilidade. Não podemos voltar atrás. Fazer teatro é uma paixão e um vício”.
Entre um ato e outro de todo este cenário, a preocupação em agradar acaba se tornando dramaturgia pouco interessante para muitos. É o caso de Saulo Sisnando que afirma ser fiel somente às suas propostas: “Eu acho que estou indo contra a maré do teatro local. Creio que faço um teatro que os ditos entendidos julgam de péssima qualidade. Mas, por outro lado, tenho a certeza de que muitas pessoas falam mal por puro preconceito. Já recebi boas criticas de pessoas bastante talentosas”. Haroldo França reforça o coro da falta de aceitação, porém não se abate: “Sinto que parte da velha guarda tem dificuldade em aceitar os diretores novos, principalmente os mais jovens. Mas acho compreensível. Afinal, o desconhecido costuma causar estranhamento”.
Mesmo sob as seculares máscaras do drama e da comédia, os novos personagens do teatro paraense usam a cara e a coragem para encenar seus sonhos, seus ideais, suas doces loucuras. Na platéia está um público cada vez mais necessitado de arte original, corajosa, desafiadora. Eis a questão... Ser ou não ser público para aplaudir de pé o empenho destes artistas? A resposta? Bem, a resposta só será conhecida quando se fecharem às cortinas do futuro.
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