JORNAL O LIBERAL
CADERNO MAGAZINE
CADERNO MAGAZINE
Edição de 12/10/2008
Com ilustração
de Airton Nascimento
ESPECIAL
Artistas de vários
lugares do Estado
contam histórias
de peregrinação
lugares do Estado
contam histórias
de peregrinação
CARLOS CORREIA SANTOS
Da Editoria
Regina Maciel Oliveira, 32, sabe que precisa estar com o figurino certo, com a maquiagem correta, com o corpo preparado. Cantora há mais de quinze anos, ela conhece bem as exigências de uma boa performance. Mas todas as preocupações que Regina levou para diante do espelho três semanas antes desta matéria ser escrita não tinham uma casa de espetáculos como destino. Não. O palco para o qual a artista se preparava era o da fé. Todo ano, Regina Oliver – nome artístico – cumpre uma pauta especialíssima em sua vida: ela se dedica a uma verdadeira romaria pessoal de Capanema até Belém para acompanhar o Círio de Nazaré.
Ela divide a viagem em paradas especiais: faz pouso em Castanhal para acompanhar novenas na casa de amigos; chega à Ananindeua para ver a passagem da Santa diante da residência de seus primos e encerra a jornada seguindo a grande procissão de hoje. Regina é um dos vários artistas peregrinos que partem dos mais diversos pontos do Estado para estar na capital paraense neste segundo domingo de outubro. Artistas que, nesta época do ano, fazem questão de apresentar o talento da devoção. 'Minha arte é um presente que ganhei da Virgem. Tenho que me encontrar com ela na quadra nazarena. Caso contrário, não me renovo. Eu me inspiro em nomes como a Leila Pinheiro que, mesmo vivendo fora, sempre dão um jeito de estar junto de Nossa Senhora neste período', explica. Ao longo desta matéria, vamos seguir os passos de Regina até sua chegada a Belém.
MIRITI
Enquanto isso, mergulhemos na história do ribeirinho Jorge Nonato Matos, 43 anos, morador de Barcarena. Artesão desde menino, ele afirma: 'Se eu não levar todo santo ano meus trabalhos de miriti para Nossa Senhora abençoar, posso até perder minha criatividade'. Nonato diz amar seu compromisso anual. Ele passa dois meses se dedicando a produzir peças diferenciadas e, em outubro, pega a estrada para a capital. Não vem para ficar em pontos específicos. Em cada temporada escolhe um canto da cidade para expor suas criações. E garante: 'Venho, acima de tudo, para ver minha Santinha passar em algum trecho das procissões. Não venho só porque quero vender. Se eu tiver que ganhar dinheiro, ganho. Se ninguém comprar nada, não me importo. Faço os trabalhos para agradar nossa padroeira'.
Voltemos à Regina. Já instalada em Castanhal, ela se deixa tomar pelo choro ao lembrar: 'Há exatamente cinco anos, fui acometida por um problema sério na laringe. Tudo indicava que fosse algo realmente difícil de tratar. Não pensei duas vezes. Eu me agarrei com Nossa Senhora e implorei por minha saúde. Ela me atendeu. Para agradecer, todo ano venho de onde for para reverenciá-la'. A cantora diz que a novena na casa dos amigos é o momento de refletir e pedir não só por ela, mas por todos de quem gosta: 'É a hora de conversar baixinho com a Mãe', conta. No dia seguinte, ela segue para Ananindeua. Mas os detalhes dessa nova parada vêm mais à frente.
VERSOS
A distância não é tão grande assim. Apenas coisa de uma hora. No entanto, para Josivaldo Castro, 19 anos, os quilômetros entre Mosqueiro e Belém representam a distância entre a expectativa e a lágrima de felicidade. O poeta quase anônimo – só a família e alguns amigos conhecem seu dom – faz do mês de outubro páginas significativas para sua inspiração. Com o intuito de agradecer uma graça alcançada há três anos, ele escreve poemas para Nossa Senhora de Nazaré e vem entregá-los para a Santa no dia do Círio. 'Sempre dou um jeito de deixar meus escritos no Carro das Promessas. É minha forma singela de dizer obrigado. Sempre choro quando cumpro essa missão'.
Já em Ananindeua, a cantora Regina chora e perde a voz. A passagem da berlinda em frente à casa de seus primos é um momento que reconstrói sua alma. Após muito engolir em seco, ela finalmente consegue dizer algumas palavras: 'É ela que alimenta o espírito de todos os artistas dessa terra, sabias? É ela!'.
NOTAS
São cinqüenta anos dedicados às teclas. Nadir Mendonça, 64 anos, é pianista desde muito menina. A origem do enlace com o instrumento foi, por incrível que pareça, a religiosidade: 'Minha mãe quase me perde durante a gravidez. Então, ela fez uma jura para Nossa Senhora: se eu sobrevivesse, ela me faria aprender piano para um dia eu passar a tocar hinos para a família em todo Círio. E assim tem sido desde os meus 14'. Hoje, radicada em São Paulo, a musicista diz que não pode ficar um ano sequer sem voltar à terra natal nesta época. Entre as obrigações, ainda estão as apresentações camerísticas para os familiares: 'Sinceramente não sei onde eu estaria hoje sem a fé que tenho na Virgem'.
E onde está Regina neste momento? Misturada aos milhões de devotos que se tornam artistas também. Afinal, quem passa o ano inteiro ensaiando as emoções do Círio e sempre as reestréia neste domingo só pode ser artista também. Agora, feliz, a cantora de Capanema é mais uma em meio ao palco do encantamento. É mais um olhar comovido. Mais um coração transbordado. Mais uma voz embargada a entoar: 'Vós sois o Lírio Mimoso'. Aplausos, portanto. Aplausos para Regina, para Nonato, para Josivaldo, para Nadir. Aplausos para os peregrinos que são personagens únicos desse grande espetáculo de crenças.
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