terça-feira, 23 de junho de 2009



REPRODUÇÃO DE ENTREVISTA CONCEDIDA AO BLOG COPULÊTERA DE SHEILA MAUÉS

Carlos Correia, escritor brasileiro, “mordescreve” e se descreve para o Copulêtera.

Por Sheila Maués

Mini-bio: Carlos Correia Santos é um artista da palavra (Poeta, contista, cronista, dramaturgo, roteirista e romancista). É também um agitador do cenário cultural do Pará, além de jornalista e pessoa engajada na luta pela promoção da leitura entre os jovens. Ganhador de vários prêmios regionais e nacionais escreveu “O Baile dos Versos” (poemas), “Poeticário” (poemas), “Nu Nery” (teatro), “Ópera Profano” (teatro), “Nu Nery” (teatro) e “Batista” (teatro), dentre outros. Mas nada, nem ninguém, pode falar melhor sobre ele do que ele mesmo...

1. Por que você faz Literatura?

Para (sobre)viver. Literalmente. Sempre conto que, em essência, sou muito tímido. Fui daqueles jovens muito reservados. E descobri na arte uma via colossal de comunicação. De tornar comum o que penso e quero dizer. E, assim, tentar causar algum afeto. No sentido de afetar mesmo. Positiva ou negativamente. Faço Literatura porque a Literatura me refaz.


2. Como está a Literatura no Pará?
Ainda lutando para ser. O que é um escândalo. Como é possível, depois de gerações de mestres - como Bruno, Tavernard, Faustino e Dalcídio - ainda termos que admitir que as letras no Pará permanecem lutando para ser? Mas é assim que vejo. Os autores são desconhecidos largamente. Suas obras ganham quilos de poeiras em algum lugar ainda distante do sol da massa leitora. Enquanto tudo isso se dá, as pessoas se acotovelam, matam e morrem para “tirar o pé do chão”, em alguma mega arena diante de uma mega atração baiana. Nada contra quem queria o gozo do entretenimento. Eu quero também. Sou do meu tempo e não nego que sou também fruto da sociedade do orgasmo. Mas, minha gente, depois dos orgasmos pode haver também o compromisso do amor. Mas o problema é esse: o paraense não se ama. Costumo fazer um alerta: é preciso parar e entender essa ordem que os axés nos dão: tire o pé do chão. Quem diz amém a esse comando, perde as raízes. E ler é, sobretudo, enraizar-se. Parar diante de um suporte exigente como livro e a ele dar nossas raízes do ficar, destrinchar, magicar, entender e recriar o que o autor propôs.

3.Você é um bom poeta?
Espero nunca ter essa resposta. Sabes por quê? Porque responder isso – um sim, ou não – seria admitir um limite. Eu sou até aqui. E eu não quero jamais isso. Quero me experimentar até a última letra da última estrofe quando a vida disser: acabou, Carlos. Sobe. Quero morrer me sentido inconcluso. Até porque a arte exige esse condão: o artista é o vetor que só se completa com a apreciação do público (leitor, espectador).

4.Você é um dos autores mais premiados do Pará e talvez, do Brasil. Qual o real significado dessas premiações pra você?
Entendo os prêmios como fortuna crítica. Sou total vassalo do olhar crítico. Até para dar mais suporte ao que disse acima, a crítica é essencial. O artista atual – especialmente o da minha terra – vive os tempos do sepultamento da crítica. Ninguém mais te esquadrinha, atira pedras construtivas, aponta dedos provocativos ou te sopra dicas amadurecidas. Não. Só o silêncio da complacência tola. Até porque pouco se tem preparo e respaldo para criticar. E o que são os prêmios? São bancadas de especialistas que se reúnem para avaliar. Nisso, para mim, está uma das preciosidades dos concursos. Eu só busco os muito sérios. Sim porque há inúmeros enganosos. Fujo deles. Só participo dos que vêm de instituições gabaritadas e que garantem julgadores experientes. Submeto-me a analise dessas bancas. Quero ver o que elas me dizem. Porque eu quero me comunicar sem fronteiras. Claro que não vou ser hipócrita e dizer que não me interessam os valores pecuniários. Sou profissional da palavra. Não faço isso por mera distração. E quando ganho vinte mil reais com um texto literário, por exemplo, sinto um baita orgulho de mostrar: arte também paga contas, sim. O carro que dirijo hoje foi literalmente escrito por mim porque foi comprado com dinheiro de premiação.

5. É difícil publicar textos literários no Pará?
Depende do crivo. Em essência, é fácil. Tu pagas uma gráfica e públicas. Mas isso é válido? Qual o peso que tem eu me avaliar e dizer sou bom, vou me publicar? Acho complicado. Editoras nós não possuímos. Elas teriam um processo mais significativo porque têm – ou teriam – uma comissão avaliadora da qualidade do trabalho. Porque a questão é toda essa. Qualidade.

6. Você já idealizou e viveu vários projetos de incentivo à leitura. Quais foram os que mais te deram satisfação ou frustração?
Todos me deram muita satisfação, especialmente o saudoso Café com Verso e Prosa. Recebo até hoje lindas manifestações de jovens que foram platéia do Café e atualmente são professores, escritores. Recebi uma mensagem, via Orkut, de uma moça que está na França atuando como professora de Letras. Ela disse que o projeto foi uma grande motivação em sua carreira. Não é lindo? Agora quais desses projetos mais me frustraram? Todos. Difícil entender? Explico: o belo mesmo seria nunca ter sido necessário fazê-los. Em essência, é frustrante ter que mendigar atenção e (re)conhecimento sobre um ofício tão poderoso quanto a arte literária.

7. Se pudesse, o que você mudaria no cenário cultural do Pará?
Esse lamentável e eterno sentimento de colônia cultural que ainda nutrimos.

8. Cinema para o Carlos...
Amo cinema. Há quem diga que muito da minha escrita tem pendões de imagem. O cinema foi sempre, sem dúvida, uma das minhas maiores fontes de inspiração. Escrevo roteiros de curta. Já ganhei prêmios com isso. Já tive contos adaptados para o audiovisual. Quanto aos gêneros, sou eclético. Só não cedo, de modo algum, espaço nas minhas estantes para esses filmes de terror-hemorragia. Não suporto. Cito dois filmes que me marcaram muito: Central do Brasil e o Show de Truman.

9. E Música?
Ah, outra mãe de lirismo. A música. Procuro música nos meus versos. Ou por outra, juro melodia para o que escrevo. Pelo menos, tento. Tento muito. Toco violino e violão e também fiz flauta doce. Estudei música. Fiz musicalização e essa experiência se tornou um abençoado fado na minha escrita. Consciente e inconscientemente uso técnicas rítmicas no que crio nas letras. Além disso, acabei por ganhar o presente de me tornar parceiro de grandes nomes do nosso cancioneiro, como Nilson Chaves, Lucinnha Bastos, Renato Gusmão e Firmo Cardoso. A música é estrada por onde caminham minhas palavras. Sou alucinado por Zeca Baleiro, amo Chico Buarque até a última nota, Roberto Carlos me comove, adoro New Order, Beethoven, Ravel e Dvorak me hipnotizam. Ah... Tanta coisa... É até cruel listar assim. De muitos, não vou lembrar agora... Ah, tanta coisa...
10. Teatro?
O teatro é um bandido que me roubou de mim. Jamais vou perdoá-lo. E justamente por me sentir nessa doce prisão é que me sinto feliz. Que bom é não ter perdão esse sequestro do qual fui vítima. Que bom. O teatro, na origem da palavra, é o lugar de ver. Te atrium. Por tal, é arte que permite uma das mais imediatas e colossais comunicações entre texto e público. Emissor e receptor ali, confrontados sem ser possível fugir. O que funciona, funciona. O que não funciona, não tem sucesso e pronto. Hoje, costumo dizer que não acompanho mais meus textos em cena, no palco. Eu sou espectador das reações muitas das platéias. Além disso tudo, sou fascinado por esse bicho horrivelmente vaidoso e tão belamente vetorial que é o ator. Escrevo dramaturgia para os atores, para desafiá-los. Um duelo sem freios e temores. Minha palavra e a fala do ator. Amo. Amo muito.

11. Recentemente você mudou completamente o visual. Há uma motivação para essa atitude?
Não consigo viver sem me reinventar. Quando penso que eu mesmo já virei um enredo sem graça, percebo ser hora de criar alguma nova curva narrativa em mim. Então, fui dos 110kg aos 73kg. E ainda vem mais por aí. Ou outra, menos (Risos). Quero chegar aos 70kg. O que acontece é o seguinte: ser é viver sob a forma de narrativa, não é verdade? Somos, cada um de nós, uma narrativa. Quando olhamos, contamos. Quando calamos, criamos capítulos. Quando sorrimos, somos personagens. Quando ficamos, viramos lugar. Quando existimos, viramos tempo. Somos uma narrativa. E, como tal, precisamos nos reescrever sempre. Então, decidi virar um algo novo. Fui para a musculação, desenhei o corpo todo. Pus tatuagens, brinco. Ué, por que não podemos unir Atenas e Esparta? E, veja: amo a reação que isso causa nas pessoas. É aquela minha velha necessidade de me comunicar, causar afetos. Claro que nisso tudo há também o fator saúde. Quero viver mais, quero escrever mais, não é mesmo?

12. O que as pessoas precisam saber sobre você, que ainda não sabem?
Apenas que, assim como elas todas, minha meta de vida é tentar saber coisas sobre mim que nem eu nem ninguém ainda sabe.

13. Você gostaria de meter o pau em alguém ou em alguma coisa?
Ah, sim, eu sou brabo. Pode não parecer, mas sou muito. Dá uma vontade louca de meter o pau em quem decide meter o pau no outro sem conhecê-lo, por mera leviandade. Mas aí eu lembro que tenho tanta coisa para escrever. E penso: coitadinhas dessas pessoas. Se elas fossem um bom enredo na vida não se perderiam tanto tentando ditar a vida alheia.

14. Quem é Carlos Correia, sozinho, diante de um espelho?
Ele é simplesmente: Alguém que não fala.Diz.E não fala nada.Alguém que não se quer. E quis. E só quer estrada. Pois sou feito alguém que só está de passagem. Com passagem marcada.

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